Funcaju resgata a história e o Carrossel de seu Tobias

Cultura
29/04/2016 16h11

É comum se afirmar que não é apropriado se viver do passado, mas em termos culturais, é preciso resgatar a história, entendê-la, firmar o presente para os jovens e poder perpetuá-la no futuro que, consequentemente, marcará toda a sua memória, firmando um alicerce de preservação. E, embasada na construção dessa memória, a Fundação Cultural Cidade de Aracaju (Funcaju) inaugurou, na tarde de ontem, a exposição do Carrossel de Tobias, um marco na história de Aracaju e indubitavelmente o regresso ao passado de boas lembranças de atualmente “senhores e senhoras” que já ultrapassaram os 50 anos. A solenidade aconteceu no Centro Cultural de Aracaju, que também culminou com o lançamento do site cultural; apresentação da música em louvor a Aracaju; sala documental e exposição retratando a história cultural da capital sergipana.

 

A tarde de ontem se revelou com um brinde aos sergipanos e turistas que visitam a pequena Aracaju. Apesar das exposições, do lançamento do site cultural, os maiores olhares estiveram voltados para o Carrossel de Tobias, ou melhor: o Carrossel do seu Tobias, um “brinquedo” que marcou a vida de gerações. Mas, o que foi o tão emocionante carrossel, que oportunizou a alegria de inúmeras crianças? Que também foi o responsável como o símbolo de um ponto de encontro para casais – a paquera? Que, partindo do pressuposto encontro inocente, ocasionou inúmeros casamentos? Ou ainda, a firmação de amizades consolidadas e perpetuadas ao longo do tempo?

 

O Carrossel de seu Tobias se tornou sensação a partir de 1904, quando chegou à capital sergipana, advindo dos Estados Unidos. O carrossel era iluminado por luzes reluzentes e, ao toque do apito, todos sabiam que o “brinquedo” iria começar a girar. Os cavalinhos em madeira eram os mais disputados. Na época, a propaganda do famoso carrossel informava que comportava 300 pessoas, mas na realidade o número correspondia a 180. A instalação era no Parque Teófilo Dantas, ou Praça da Catedral, sempre nos festejos natalinos, agregando também a passagem do ano novo e o Dia de Reis.

 

Muitas pessoas passavam o ano acumulando os trocados para transformá-los em vários tostões para a compra da roupa nova para o Natal. Muitos pais, inclusive, diziam para os filhos que, se passassem de ano na escola, ganhariam uma roupa bonita no Natal, o que diverge da atual de hoje. Pois então, as famílias se dirigiam ao parque “nos trinques”. Vestidos com renda, tecidos de cassa, roupas em tecido cambraia. As meninas usavam sapatinhos tipo boneca, com meias três quartos com pompons, combinando com as bolsinhas, sem descartar os laços de fitas nos cabelos.

 

A Praça da Catedral (Centro de Aracaju) ficava iluminada, movida pela intensidade de pessoas. Era tempo do rolete de cana, amendoim no rosário, pipoca, algodão doce, outras guloseimas e o homem do realejo.

 

Filho do dono

 

Vilder Santos (professor Vilder) é filho de Milton Santos, o último proprietário do Carrossel de Tobias. O professor prestigiou a solenidade e lembrou sobre fatos históricos. “O carrossel foi a alegria dos tempos natalinos. O meu pai costumava distribuir ingressos em orfanatos e outras instituições com o intuito de que aquelas crianças também pudessem andar no carrossel”, destacou.

“A emoção de estar no carrossel em noites plenas perdurava por cinco minutos e, em noites mais calmas, até dez minutos”, afirmou Vilder, acrescentando que a iniciativa da professora Aglaé Fontes, presidente da Funcaju, em resgatar parte da história de Aracaju por meio do carrossel, foi louvável. "O brinquedo é tombado pelo patrimônio histórico. Sinto-me feliz por essa ação porque perpetuará o símbolo do carrossel de seu Tobias", disse.

Resgate

A maior atração do século XX teve vários donos. Antes de chegar em Aracaju, foi instalado em outras cidades. De 1904 a 1963, a atração permaneceu  instalada no Parque Teófilo Dantas. De fevereiro a outubro, daquele ano, foi deslocada para as cidades de Alagoinhas e Salvador, retornando a Aracaju, permanecendo até 1983.

Entre os anos de 1983 e 1984, o Carrossel de seu Tobias foi vendido ao Governo do Estado e instalado no Parque da Cidade. Mas, a falta de manutenção e a ação do tempo, contribuíram para a deterioração das suas peças.

Sensível a questão cultural e a história que comporta Aracaju, o Instituto Banese adquiriu as partes remanescentes do carrossel, conseguindo restaurar quatro cavalos e outras peças. A "atração", permaneceu em exposição no Museu da Gente Sergipana, mas precisava de um local permanente para a sua afixação.

Portanto, em 02 de julho do ano passado, o superintendente Ezio Déda, firmou convênio com a Fundação Cultural Cidade de Aracaju (Funcaju). A cessão possibilitou a estada do Carrossel num espaço apropriado, exatamente, no local do marco da cidade - O Centro Cultural Cidade de Aracaju (prédio da Antiga Alfândega), na Praça Fausto Cardoso.

Boas lembranças

O vereador Dr. Gonzaga também se fez presente à solenidade. Ele afirmou que voltou no tempo lhe trazendo boas lembranças. "O carrossel representa a minha infância. Lembro que andava duas, três vezes. Vejo-me sentado, chupando pirulito e vislumbrando a beleza do carrossel", confirmou.

O vereador ainda citou que era uma fila enorme para ter acesso ao brinquedo e, pacientemente esperava, vestido em camisa volta ao mundo, na expectativa de subir no cavalo preto porque era o maior e mais imponente.

Dr. Gonzaga explicou que se sentiu triste com o término do carrossel, enfatizando que a professora Aglaé Fontes está resgatando a história e fazendo que muitos revivam momentos inesquecíveis. "A professora está de parabéns. Por onde ela passa, deixa um rastro positivo. É uma mulher séria e honesta e que ama o seu Estado e, especificamente Aracaju", comentou.

De punga em punga

O eletricista Rafael dos Santos Neto, 60 anos, informou que ficou sabendo da exposição e compareceu ao Centro Cultural porque estava curioso em ver o carrossel que marcou a sua vida. "Ah! Que saudade! Lembro que muitas vezes não tinha dinheiro para andar no brinquedo. Então, disfarçava de maneira meio sem jeito e entre uma rodada e outra, pegava uma punga", reviveu, sendo ainda extensivo na sua colocação, dizendo que "Hoje,  sei que o rapaz sabia que eu fazia isso, mas deixava. Na época, eu não entendia por que ele agia daquela forma. Compreendi com o tempo. Ele tinha bom coração".

Solenidades

A anfitriã da tarde de ontem, professora Aglaé Fontes, recepcionou os convidados e o público em geral. A primeira solenidade aconteceu no pavimento térreo do Centro Cultural, no teatro João Costa, com o lançamento do Sistema Municipal de Informação Cultural (Smic). Trata-se de um site, contendo as informações valiosas sobre os patrimônios culturais material e imaterial sobre Aracaju, inclusive, também oportunizando aos artistas se cadastrarem, repassando informações sobre o seu trabalho profissional.

Na sequência, o publicitário, cantor e compositor Valfran Soares, apresentou a música "Te amo, te adoro Aracaju". O artista foi versátil, apresentando ao público a música em cinco versões diferentes, como xote e samba.

O público se deslocou para o andar superior do prédio, onde está instalado o carrossel. O superintendente do Instituto Banese, Ezio Déda, explicou que as peças remanescentes são tombadas. Destacou que as peças foram enviadas para o município de São Cristovão, para as mãos de um restaurador que passou mais de um ano para recompor os cavalos.

"Após a exposição no Museu da Gente, precisávamos de um local onde as peças ficassem como acervo permanente. Daí, a ideia em enviá-lo ao Centro Cultural, para as mãos da professora Aglaé, que para nós, remete em tranquilidade porque sabemos que o carrossel será bem cuidado", declarou.

A professora agradeceu aEzio Déda, pela confiança depositada. "Passamos um ano realizando estudos, pesquisas para organizar o memorial do carrossel, mas conseguimos", precisou.

Na ocasião, Aglaéemociou a todos lendo e interpretando um texto de sua autoria, lembrando o passado; o que foi o carrossel; a balbúria das crianças em conseguir os tostões para andar no brinquedo e, ainda, o boneco Tobias. A leitura culminou com a apresentação das crianças que frequentam o curso de flauta e musicalização infantil da Escola de Arte Valdice Teles.

A representante do prefeito em exercício, José Carlos Teixeira e do prefeito licenciado João Alves, a secretária de Governo Marlene Alves Calumby, pediu licença e fugiu à regra. "Aqui vai falar a minha emoção. Vi o carrossel no passado e revê-lo me deixou extremamente emocionada. Esses cavalinhos também fazem parte da minha história", evidenciou.

Marlene Calumby fez voltar à tona o lado humano de seu Milton. "Em alguns momentos, minha mãe não tinha dinheiro para me dar, mas seu Milton me deixou andar de graça várias vezes", concluiu.