Assistência discute sobre vivência da mulher negra em ciclo de diálogos

Assistência Social e Cidadania
18/07/2017 20h24

Lábios grossos, olhos amendoados e cabelo macio feito algodão. De branco, só sorriso. Em julho, mês que celebra o Dia da Mulher Negra e homenageia Tereza de Benguela, a Secretaria Municipal de Assistência Social promove ciclos de diálogos sobre a vivência das mulheres negras na sociedade aracajuana e como é possível resistir ao racismo. Em sua primeira edição, o ciclo de diálogos ocorreu no dia 18 de julho, na sede do Grupo de Teatro Imbuaça, no bairro Santo Antônio. 

Das mulheres aracajuanas, 70% são negras, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mais do que um número estatístico, esse dado traz um rosto para as mulheres que são usuárias dos equipamentos da Assistência e é justamente esse o motivo pelo qual, em datas alusivas à luta do movimento negro, a equipe da Prefeitura de Aracaju organiza debates a respeito das especificidades dessa parte tão importante da sociedade. 

Para a vice-prefeita e secretária da Assistência, Eliane Aquino, o diálogo sobre a vivência da mulher negra não deve ser pauta de debate apenas próximo ao dia 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Afro-caribenha. “O que nós queremos realmente é chamar à conscientização sobre o que é ser uma mulher negra. Nós temos mulheres cada vez mais empoderadas, que estão buscando o protagonismo das suas histórias. Queremos chamar a atenção para a força dessas mulheres que somos nós e queremos que a sociedade nos olhe sem nenhum tipo de preconceito. Esse tipo de conversa não deve permear os espaços apenas próximo às datas comemorativas, o tema precisa estar na pauta do dia. E por entendermos a importância que existe do recorte de raça nas construções sociais é que criamos a diretoria de Direitos Humanos, um setor da Assistência que discute, além de outras questões, Igualdade Racial”. 

Responsável pela gerência de Igualdade Racial da Assistência, a jornalista Laila Oliveira, entende que os espaços de diálogo sobre a vivência da mulher negra precisam ser cada vez mais amplos. “Essas atividades são importantíssimas para nos tirar da invisibilidade. Elas nos tiram da pasteurização dos padrões que impõem sobre todas as mulheres. Quando falamos do ser feminino é preciso que a nossa mente se abra para as múltiplas de possibilidades que existem”. 

Militância por amor
 
Uma grande minoria de mulheres negras ocupam cargos de liderança no Brasil. Mas, quando uma bela exceção foge à regra e ela utiliza o espaço que está para dar voz a quem não tem, um grande processo de empoderamento é iniciado. Esse é o caso da enfermeira Yasmin Porto, que coordena as residências terapêuticas e referências técnicas de enfermagem para a Rede de Atenção Psicossocial da Secretaria Municipal da Saúde. Ela faz parte do Coletivo Percussivo de Mulheres da Saúde ‘Maria Vem com as Outras’ e acredita que a partir da arte é possível transmitir experiências de vida. 

“É uma grande responsabilidade. Sinto que tenho obrigação de propagar como somos segregadas e me sinto muito responsável também pelo lugar que eu ocupo dentro da Secretaria Municipal de Saúde, porque as nossas usuárias têm nome, sobrenome. São mães solo e eu me encontro muito nessa realidade também, porque sou filha de mãe negra e solo. Sinto o peso da preocupação por todos esses fatores, mas ao mesmo tempo sinto muito orgulho de poder trazer essa marca, porque temos a obrigação de transgredir também. É um processo diário”. 

Desengasgando

Jaci dos Santos é usuária do Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS) São João de Deus e foi até o ciclo para aprender mais sobre as peculiaridades da sua raça. De olhos atentos e sorriso fácil, Jaci modificou a fisionomia em segundos ao falar do caso de racismo que sofreu. “Eu sempre fui uma mulher muito vaidosa e sempre usei alongamento nos cabelos. De uma vez eu decidi trançar esse alongamento e saí na rua me sentindo linda demais. Um rapaz branco, que frequentava o meu bairro, jogou uma pedra em mim e disse que era pra eu abaixar minha cabeça por ser negra, como se a cor da minha pele fosse uma ofensa. Nunca contei isso a ninguém, mas decidi falar agora e eu já me sinto bem mais leve. Acho que é isso que as pessoas chamam de empoderamento, né?”

Uma mulher negra empoderada sabe o quanto é capaz de galgar espaços na sociedade e que pode dar e ser voz de um grupo que dificilmente é ouvido. Uma mulher negra empoderada pode impactar gerações inteiras e pode lutar para que suas filhas ou filhos não passem pela humilhação devastadora que é a descriminação racial. Se uma só mulher negra empoderada pode fazer tudo isso, imagine uma legião delas, preta por preta, todas conscientes de suas raízes e belezas, prontas para transformar o mundo em um lugar mais tolerante, amável e pacífico.