Patrulha Maria da Penha visa proteger integridade física e busca resgatar segurança emocional das vítimas

Agência Aracaju de Notícias
18/06/2019 16h12

Em 2017, a Prefeitura de Aracaju percebeu a necessidade de atuar de maneira mais direta nos casos de violência contra a mulher. As ações foram iniciadas dentro da Secretaria Municipal da Defesa Social e Cidadania (Semdec), mais precisamente na Guarda Municipal de Aracaju (GMA),  com alguns treinamentos e formações. A intenção era capacitar para atender melhor essas possíveis vítimas. Porém, o resultado deste trabalho foi oficializado pelo prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira, ao assinar o convênio entre a Prefeitura e o Tribunal de Justiça de Sergipe (TJ/SE) para o funcionamento da Patrulha Maria da Penha, voltada para a proteção de mulheres vítimas de violência doméstica. Com um mês de atuação, a patrulha já realizou a primeira prisão por descumprimento da medida protetiva. 

Inicialmente, sob a atuação da GMA, o programa tem como proposta fazer o acompanhamento de 20 mulheres que receberam medidas protetivas de urgência, previstas na Lei Maria da Penha, determinadas pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar, órgão ligado ao TJ. O objetivo principal é garantir que a medida protetiva não seja quebrada e, consequentemente, que a mulher vítima de violência não volte a ser agredida. No entanto, mesmo se tratando de uma ação que tem como foco assegurar a integridade física, o bem maior que está evidenciado são vidas que, antes das marcas no corpo, tiveram a integridade psicológica e emocional abaladas, além de toda uma família desestruturada.

Para atuar na patrulha, foram designados para o projeto piloto seis guardiões, entre eles a GM D.Oliveira, que coordena as atividades do grupamento especial. Ela, que participou dos primeiros treinamentos, explicou que o trabalho consiste em visitas periódicas a essas mulheres e todo um acompanhamento para evitar a reincidência dos atos abusivos, bem como garantir o encaminhamento dessa mulher aos demais serviços ofertados pela rede. Entretanto, ela ressalta que os efeitos pretendidos têm a ver com dignificar e ressignificar vidas que foram emocionalmente afetadas. “O trabalho da patrulha tem o sentido mais efetivo, que é a presença para garantir a prevenção, mas, não somente este. Como estamos acompanhando de perto, temos condições de fazer a articulação, junto à Secretaria da Assistência Social, para ver quais as demais necessidades e demandas dessa família. Por exemplo, se precisa de um acompanhamento psicológico, se os filhos precisam. Vamos entrar em contato com a Unidade Básica de Saúde, ver se essa mulher precisa de inserção em algum programa do Governo Federal, se precisa do auxílio da Defensoria Pública. Então, é um conjunto de ações dentro da Patrulha que visa, de fato, olhar para essas mulheres e mostrar que elas têm quem possa ajudar nesse processo”, destacou.

Até o momento, 14 mulheres já foram encaminhadas para o serviço. “Assim que recebermos todos esses 20 casos, faremos um roteiro operacional. Existem níveis e níveis. Tem mulheres que ainda estão numa condição só de ameaça do agressor, outras mulheres em que o agressor já teve uma prisão preventiva e está para sair. Para cada vítima, nível de risco, a frequência das visitas será diferente. Tem mulheres que basta uma vez por semana, outras que, com um mês de visitas não precisam mais e tem mulheres que vão precisar de uma assistência maior. No entanto, enquanto a medida protetiva estiver vigente, a gente vai fazer o acompanhamento e essas mulheres poderão ter a certeza que o nosso trabalho é prestar o apoio necessário”, ressaltou a GM D. Oliveira.

Quebra de paradigmas

Em outro eixo de atuação, a GMA, assim como outros órgãos e aparelhos vinculados à gestão municipal, realiza um trabalho de conscientização. Trata-se de um esforço para a quebra de paradigmas que têm como base uma sociedade construída nos moldes do machismo e do patriarcado. E neste sentido, faz toda a diferença ter guardiães na Patrulha Maria da Penha. “São várias as perspectivas. Questões psicológicas, de empoderamento, da representatividade. A patrulha tem que ter mulher porque entra a questão da sororidade, da empatia, coisas que têm a ver com lugar de fala, neste caso, tem que ser de mulher para mulher. É importante ter mulher porque as vítimas se sentem representadas. É uma questão de confiança. Queremos transmitir essa questão mais humana para a mulher. É necessário perceber que antes, muito antes de ser agredida fisicamente, a mulher já foi violentada psicologicamente e emocionalmente”, ressaltou a GM S. Dias.

Para a GM. S Dias, que participa de palestras e formações junto à GM D. Oliveira, a violência contra a mulher é estrutural e a quebra dessas estruturas que colocam a mulher em um lugar de submissão - o que leva à violência – precisa ser trabalhada com todos os entes envolvidos na situação. “A violência contra a mulher é muito cruel, não que os outros tipos de violência não sejam, mas, quando falamos nessa violência específica, não é só a mulher a violentada, é toda a família. São os filhos, são os familiares. Quando a violência chega ao seu auge, que é o feminicídio, a criança, por exemplo, fica sem a mãe, que foi morta, e sem o pai, que foi preso ou, como também acontece em muitos casos, cometeu suicídio. Por isso, a mulher precisa ser cuidada, as crianças e também o agressor, este último para que a violência não seja reproduzida”, frisou.

Intersetorialidade

No processo de amparo às vítimas e trabalho junto ao agressor, a Secretaria Municipal da Assistência Social possui equipamentos e toda uma estrutura que, mesmo antes da Patrulha Maria da Penha, já atuava arduamente. Com o surgimento da patrulha, os trabalhos irão se somar em ações intersetoriais.

“O ideal seria que não precisássemos desse tipo de ação por não ter demanda, mas, infelizmente, os dados têm mostrado, principalmente os de Sergipe, que há a necessidade de ações cada vez mais intensas para tratar dessa temática. E aí está a justeza da Patrulha. Na Assistência, o grupo de 20 mulheres serão acompanhadas pela Coordenadoria de Políticas Públicas para as Mulheres, vinculada à Diretoria de Direitos Humanos. E há um efeito dominó. À medida em que mais mulheres se sentem encorajadas e amparadas, vemos a possibilidade de outras também se manifestarem. Não é uma teia que envolve somente as mulheres, mas também os potenciais agressores. Como o prefeito Edvaldo Nogueira disse no momento da assinatura do convênio, o agressor também precisa ser educado para que não torne a agredir, seja a mesma mulher ou outra”, afirmou o secretário municipal da Assistência Social, Antônio Bittencourt.

De acordo com a coordenadora de Políticas Públicas para Mulheres de Aracaju, da Diretoria de Direitos Humanos da Secretaria da Assistência Social, Ana Márcia de Oliveira, é preciso atuar de forma conjunta. “Participamos ativamente do Aracaju Seguro, do Conselho Municipal de Políticas para Mulheres , sempre apresentando as ações que a Prefeitura de Aracaju vem desenvolvendo em prol das mulheres e famílias em situação de violência. Estamos em processo de discussão com a Rede de Enfrentamento à violência , onde, além dos nossos serviços , fazem parte a Secretaria de Estado da Saúde [SES], a Secretaria de Estado da Segurança Pública [SSP/SE], Tribunal de Justiça , Ministério Público do Estado e Defensoria Pública , para formularmos um protocolo operativo, onde toda a rede se comprometa e atue com segurança dos caminhos a seguir quando a mulher em situação de violência procurar um dos serviços disponíveis - Creas, unidades de saúde , hospitais , delegacias , defensoria, entre outros. É preciso dar a essas mulheres a garantia de que, ao acessar qualquer uma dessas portas, ela tenha as suas necessidades atendidas”, considerou.

Dados

De acordo com a Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP/SE), com base nos dados do Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV), só neste ano, já foram registrados três casos de feminicídio em Aracaju; 11 crimes de assédio sexual; 14 de estupro, 13 de importunação sexual; e 26 descumprimentos de medidas protetivas de urgência.

Já o Tribunal de Justiça de Sergipe (TJ/SE), registrou 3.420 processos de violência doméstica em andamento, 1499 processos ingressados em 2019 e 1733 julgados neste ano. Além desses dados, o sistema judiciário informou que, até o momento, foram concedidas 258 medidas protetivas em todo o estado.

 A violência doméstica não pode ser resumida em números, afinal, são vidas, porém, esses números ajudam a nortear as ações e, mais do que isso, são como um esboço do retrato social em que vivemos. As ações conjuntas entre entes envolvidos na segurança pública e na Justiça visam, justamente, minimizar os número negativos envolvendo a violência doméstica, um esforço para transformar tragédias em esperança por dias melhores.