Alfabetização em Libras garante inclusão de aluna com perda auditiva em escola municipal

Educação
13/08/2019 16h30

As mãos balançam no ar para aplaudir. Depois, deslizam sobre o peito para dizer que gostaram do que foi feito. Na sala 7, da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Oviêdo Teixeira, o silêncio reina. Mas apesar de não ouvir vozes e risadas de crianças, muita coisa lá dentro está sendo dita. É que a partir da chegada na turma da aluna Ketlyn Beatriz Oliveira, que possui perda auditiva severa, todos os alunos da classe estão aprendendo a Língua Brasileira de Sinais (Libras).

A princípio, Ketlyn permaneceria em um canto da sala, junto com a intérprete. No entanto, a professora da turma em que a aluna foi matriculada, Valdeci Josefa de Jesus Santos, decidiu que ela participaria das aulas como todos os outros alunos do 2° ano. Para isso, decidiu que também aprenderia Libras. Mas isso ainda não era suficiente. Para tornar as aulas ainda mais inclusivas, com a ajuda da intérprete, a professora Val, como é carinhosamente chamada pelos seus alunos, decidiu alfabetizar em Libras toda a turma.

A partir daí, a professora começou a adaptar todas as atividades para a Língua Brasileira de Sinais, inclusive com jogos e dinâmicas. “Eu aproveito o momento da alfabetização em Língua Portuguesa e vou introduzindo a Libras também. Eles fazem a leitura da palavrinha em Português, depois eu pergunto qual é a datilologia em Libras - que é o conjunto de sinais que representam as letras daquela palavra - e depois qual o sinal que representa a palavra. Eles já sabem os sinais dos dias da semana, as cores, os meses do ano, o material escolar, sabem a datilologia dos nomes deles, de membros da família, sabem como pedir pra ir ao banheiro, para tomar água”, explica a professora Valdeci, que está há seis anos na profissão, sendo quatro deles na rede municipal de ensino de Aracaju.

No dia a dia da turma, toda a comunicação gira em torno da Libras. Seja nas aulas de Matemática, com o uso de jogos de dominó e dados, seja nas lições de geografia sobre o clima, ou ainda na de Ciências falando sobre reciclagem. Nas paredes da sala, é possível encontrar diversos sinais que correspondem ao alfabeto, aos números e outras expressões, com o objetivo de, cada vez mais, fixar a Língua nos diálogos do estudante, e facilitar a socialização da aluna com perda auditiva.

“Para nós, está sendo uma novidade muito interessante de lidar. É muito gratificante ver o nível de empolgação e desenvolvimento da turma e também a aceitação da colega com perda auditiva. Escutamos muito falar em inclusão, mas ela só existe realmente quando a turma, o professor e a escola absorvem essa vivência, e é isso que tem acontecido”, garante Mauro César Santos, diretor da Emef que fica localizada no bairro Olaria.

Família

Ketlyn tem 7 anos e foi diagnosticada com perda auditiva severa. Logo quando descobriu a limitação, a estudante começou a usar um aparelho que amplifica e transmite o som através do ouvido. No entanto, por causa da perda progressiva da audição, foi fundamental a aprendizagem da Libras. “No início, algumas pessoas tentaram me convencer de que não seria bom para a Ketlyn aprender a Libras, mas quando conheci essa linguagem, entendi sua importância e me encantei. O apoio da professora Val foi fundamental. Ela abriu o coração para minha filha e, sem ela, nada disso estaria acontecendo”, afirma a mãe de Ketlyn, a dona de casa Jéssica Bezerra de Menezes.

No turno da manhã, Ketlyn estuda na Emef Oviêdo Teixeira. No turno da tarde, faz acompanhamento na Sala de Recursos Multifuncionais da Emef Rachel Cortez Rollemberg, um ambiente complementar ao trabalho realizado em sala de aula regular e que oferta aos alunos público-alvo da educação especial recursos e estratégias que possibilitem e/ou facilitem a rotina na escola e, sobretudo, em sociedade. Durante sua jornada escolar, Ketlyn é acompanhada pela mãe, que também já aprendeu a língua de sinais. Durante o período de recesso escolar, os outros membros da família também receberão aula de Libras na escola, no total, seis pessoas. “Eu gostaria muito que toda a escola pudesse aprender, pois eu vejo como uma necessidade. Eu creio que Ketlyn esteja abrindo os caminhos aqui na escola e as pessoas já estão percebendo a importância da Libras”, complementa Jéssica.

Incentivo

A chegada de Ketlyn na turma de Valdeci trouxe um incentivo para a professora: voltar a estudar. “Eu não possuía nenhuma relação com a Libras. Depois de Ketlyn, me matriculei em um curso de extensão na Universidade Federal de Sergipe sobre Leitura, Escrita e Educação Inclusiva. Também me matriculei em um curso básico e avançado de libras e já comecei a pós-graduação em Libras e Educação Inclusiva”, revela.
 
“A Libras é apaixonante. Me pego fazendo sinais em casa, na igreja. Comecei a dar aulas em uma escola estadual e já levei a Libras para os alunos de lá também, que estão adorando. Os pais dos alunos chegam aqui dizendo que os filhos estão em casa fazendo mímica e que eles não conseguem entender. Daí explico o que são esses sinais e a importância de se aprender. Essa experiência está abrindo os meus lhos pra essa questão de você pensar no outro e tudo isso eu devo à Ketlyn e a Jéssica, sua mãe”, finaliza Valdeci.