Obra de infraestrutura é marco na história do Pantanal

Agência Aracaju de Notícias
22/09/2019 07h00

Uma infinidade de batalhas para conseguir a realização de um sonho. Não se trata de mais um filme hollywoodiano de autoajuda, cheio de lições de como ser “bem sucedido”, mas da história da comunidade Pantanal, surgida de uma ocupação liderada por mulheres, no fim do anos 80, entre o bairro Inácio Barbosa e o conjunto Parque dos Coqueiros, na zona Sul de Aracaju.

Na vida real, a determinação dessas aracajuanas aliada com um entendimento de poder público, por meio da Prefeitura de Aracaju, como ente de transformação social mostra que o verdadeiro sucesso só é alcançado no coletivo, quando é possível reparti-lo.  

A história do Pantanal está ligada intrinsecamente às batalhas que Alzira Caetano Silva, 70 anos, e Elinalva Dias de Meneses, 69, decidiram enfrentar. As primeiras moradoras da comunidade acompanharam de perto diversas conquistas, desde as condições mínimas de habitabilidade até a mudança definitiva na infraestrutura do local.

Em 1989 o país passava por uma grande ebulição. Após 21 anos de ditadura militar, finalmente os brasileiros reconquistaram o direito à participação política por meio do voto. Na intensidade da redemocratização do país, dias depois da primeira eleição direta em décadas, dona Alzira foi obrigada a tomar uma decisão drástica. “Eu morava em uma casa de aluguel, mas não estava mais conseguindo pagar. Foi quando soube dessa invasão. Eu vim e trouxe ela (Elinalva) comigo. Adentramos o matagal, cortamos árvores, limpamos, tocamos fogo e ficamos”, relembra.  

À época, mulheres de meia idade, as duas se desdobravam para mudar aquele lugar aparentemente inóspito, torná-lo um lar para suas famílias. “Era tudo mato, cheio de espinhos, então começamos a cortar, roçar e fazer as cercas. A gente ficava até a noite trabalhando”, conta Elinalva.   

Como era previsível naqueles anos, a repressão como prática institucional não se extinguiria instantaneamente com o fim da ditadura militar. Infelizmente, o aparato estatal continuou a ser usado como um intimidador, um mecanismo de negação de direitos, nesse caso, um garantido há pouco, na Constituição de 1988,  à moradia. “Naquele tempo fomos muito perseguidos, vários carros de polícia, homens encapuzados com armas nas mãos. Dissemos: ‘se quiser matar, mata, mas daqui a gente não sai”, orgulha-se Alzira.

Elinalva também lembra da fase difícil. A determinação foi fundamental para a sobrevivência da comunidade, tanto para não se deixar intimidar quanto para construir as moradias. “Eles estavam armados com metralhadoras, ameaçavam passar com a máquina por cima da gente. O pedreiro corria, mas eu ficava. Então, aparecia alguém e íamos colocando os tijolos”.  

Com o passar do tempo, elas perceberam que precisariam de apoio, por meio de informações que garantissem que o que faziam ali não era errado, ao contrário, uma medida para ter direitos respeitados. Uma vez que tiveram essa definição começaram a formar uma rede de pessoas que também necessitavam de um lugar para morar.

“Resolvi procurar as pessoas certas para tentar me livrar do que estava acontecendo. Passaram para mim que o lugar não era de ninguém, mas da União. E o que é da União é do cidadão. Então, começamos a convidar outras pessoas que não tinham casas, que eram pobres, até mais pobres que nós. Mas ainda não havia água, carro de lixo, energia, nada!”, explica Alzira.

De pouco em pouco, os barracos iniciais foram se transformando em casas, e o acesso aos serviços básicos foram sendo estabelecidos. As residências de Alzira e Linalva forma as primeiras a contar com energia elétrica e água encanada, da década de 90. No entanto, ainda faltava infraestrutura. “Continuamos lutando, na lama, na poeira. Entrava um prefeito e dizia que iria fazer, mas nunca fazia”, lembra Elinalva.

Compromisso
 
As coisas começaram a se transformar em 2012, quando a Prefeitura de Aracaju iniciou um projeto de urbanização na comunidade. O projeto incluia a pavimentação e saneamento básico de 12 vias, mas ficou paralisado até 2018,  o que causou uma grande frustração. Ainda assim, quem passou por tantas empecilhos não podia perder a esperança.

“Sempre achei que ia morrer e deixaria minha família pantaneira dentro da lama. Aí veio esse prefeito de hoje, ele voltou e cumpriu o prometido.  Para as pessoas não é somente dignidade, é alguma coisa que eles achavam que nunca iam ter: um futuro, uma esperança, viver em um local limpo e ter sua casinha para morar”, emociona-se Elinalva.

A obra foi inaugurada no final de agosto, um investimento de 3,6 milhões de reais, conveniados com o Governo Federal, que beneficiou 12 vias com terraplenagem, pavimentação asfáltica, construção de calçadas, além da implantação de rede de drenagem, rede de distribuição de água e esgotamento sanitário.

Para quem acompanhou de perto toda a luta olhar para a comunidade agora é ver a realização de um sonho, é ter a certeza que tudo valeu a pena. “Eu guardo o sorriso de cada pessoa desse Pantanal, porque eu não achava que ia ver nada disso. Sou muito doente, com um mundo de problemas de saúde. Mas olha aí. Está vendo? Se eu morrer, lá na cova eu vou rir”, brinca Alzira.