Prefeitura garante atendimento psicossocial aos aracajuanos na rede municipal de Saúde

Agência Aracaju de Notícias
15/02/2020 05h00

Wedja Santos carrega a lembrança da perda da filha como uma chaga. Na memória de uma história de mais baixos do que altos momentos, consta o período em que passou presa por tráfico de drogas. Desviar o caminho e optar por uma forma ilícita de ganhar dinheiro foi uma das medidas que encontrou para sustentar as filhas e, foi durante os quase sete anos em que passou encarcerada que ocorreu a maior das suas perdas. “Não pude ir ao enterro da minha própria filha”, lamenta.

Aos 53 anos, ela é uma das milhares de pessoas atendidas pela Rede de Atenção Psicossocial de Aracaju (Reaps), um dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), gerenciados pela Secretaria Municipal da Saúde (SMS). Foi no Caps que Wedja encontrou apoio e acolhimento após o tempo de exclusão social e pôde iniciar seu tratamento para a depressão e até mesmo para a reinserção na sociedade.

De acordo com a coordenadora do Reaps, Chenya Coutinho, atualmente, entre 80 e 120 pessoas fazem tratamento diário em cada um dos Caps de Aracaju.

“Trabalhamos em rede, não somente com um serviço, mas através de uma rede com vários pontos. Na parte da rede especializada, temos os Caps, que vêm para substituir os tratamentos trancados, é o que chamamos de tratamento no território que, prioritariamente, visa a reinserção do sujeito em sociedade e não a exclusão, e também investe no fortalecimento do vínculo familiar”, ressalta Chenya.

Aracaju possui, ao todo, seis Caps, sendo que são três Adulto para transtorno metal, um Caps Infanto-juvenil para transtorno mental, um Caps Álcool e Outras Drogas Adulto, e um outro Álcool e Outras Drogas para infância, adolescência e adultos jovens até 29 anos. Em todos os centros há equipes de multiprofissionais, com psiquiatra, psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, educador físico, além de oficineiros e técnicos em enfermagem.

“Desses seis Caps, cinco são do Tipo 3, que funcionam 24h e possuem leitos para internações breves, que a gente chama de acolhimento. Chamamos de acolhimento porque não necessariamente é uma indicação médica, ele é feito por qualquer profissional de nível superior da equipe. Ou mesmo quando o usuário que está entrando em crise, que existe um fator estressor, ele conversa com o seu técnico de referência e com o seu psicólogo, este que avalia dizendo quantos dias pode ficar em acolhimento. O acolhimento noturno pode ser de até 15 dias. Temos oito leitos em cada um desses cinco Caps”, detalha a coordenadora do Reaps.

É com essa estrutura que usuários como Wedja podem contar. Para ela, é quando está no Caps que sente um pouco de alívio para o que sente. “Não tive infância. Passei todo o tempo de criança vendo minha mãe apanhar do meu pai e, quando adulta, me meti em coisa errada para tentar sustentar minhas filhas. Depois que perdi uma delas e saí da prisão, tempos depois, coloquei fogo em mim mesma porque já não queria viver. Fui socorrida, mas, a tristeza ainda estava comigo. Foi no Caps que pude começar a me tratar e encontrei pessoas que não me olham torto, mas que me abraçam e escutam o que falo. Essa é a parte boa da minha vida que posso lembrar”, relata Wedja.

Histórias como a de Wedja podem parecer muito distantes da realidade de algumas pessoas, mas, transtornos mentais, moderados ou graves, são mais comuns entre a população brasileira. O Brasil é o quarto país em número de pessoas com depressão. Dados recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que 23 milhões de pessoas, no país, cerca de 12% da população, possuem sintomas de transtornos mentais, e cinco milhões, 3% dos cidadãos, sofrem com transtornos mentais graves.

Ter uma rede que possa acolher esses casos é auxílio substancial, sobretudo quando se percebe a tendência mundial do crescimento do número de pessoas com transtornos mentais, atualmente.

Nos Caps da capital, os atendimentos realizados pelos profissionais são individuais. No entanto, no tratamento, existe, também, atendimentos coletivos, grupos de família, grupos de usuários, oficinas terapêuticas, grupos terapêuticos, oficinas de geração de renda.

“O grande diferencial do Caps é que ele visa a reinserção em sociedade e a familiar. Existe uma busca ativa para co-responsabilizar a família, agregar os familiares ao processo. A sociedade como um todo enxerga o ‘louco’ como uma pessoa que tem que ser afastada e a própria família isola ou se afasta. O Caps vem para ajudar a lidar, a responsabilizar e dizer ‘olha, é família e você deve cuidar, sim’. Além disso, atuamos para dar autonomia a essas pessoas, para que elas possam desenvolver os seus processos por si só e consigam levar uma vida o mais naturalmente possível”, destaca Chenya Coutinho.

É no Caps que Orgaralice Silva, de 56 anos, tem conseguido o apoio e o tratamento necessários para reorganizar sua vida. Ela começou o tratamento em 2011 e, de lá para cá, com a evolução, passou a ter condições de criar um dos netos.

“Antigamente, eu tinha crises constantes, mas, as pessoas não entendiam o que acontecia comigo, só achavam que eu era louca, mas nunca pararam para me escutar. Às vezes, era como se eu ouvisse vozes, dentro da minha cabeça, que pediam para eu fazer besteira. Já tive vontade até de tirar a minha vida. No Caps, eu tenho muita ajuda, sou ouvida e cuidada. Hoje, eu sei que não posso abandonar o tratamento e que a cada dia é um passo diferente. No início, eu só ia ao Caps duas vezes por semana, agora, vou todos os dias porque me sinto melhor”, contou Orgaralice.

Referência em atenção psicossocial
Aracaju figura como uma das cidades referência em atenção psicossocial no país, porque trabalha diversos eixos, desde a atenção básica até a urgência e emergência, passando por programa de redução de danos.

“Em Sergipe, não temos hospital psiquiátrico, apesar de ter voltado a ser um instrumento que compõe a rede na política nacional (2017), o estado não tem. Temos hospitais gerais com leitos para casos de pacientes psiquiátrico. Tínhamos no HU, que está em reforma, e está sendo implantado no hospital de Lagarto. Na rede hospitalar, temos o Hospital São José com leitos de urgência e os de retaguarda para casos de pessoas em crise aguda. Nestes casos, o Samu é chamado e a pessoa é encaminhada para o São José, onde, na urgência, fica até 72h. Caso haja a necessidade de uma internação, o médico avalia, se for feminino existe os leitos de retaguarda no São José, e masculinos álcool e outras drogas ou feminino álcool e outras drogas temos leitos SUS na clínica São Marcelo, que é uma clínica de internação”, explica Chenya.

Para casos leves e moderados, Aracaju presta assistência na atenção básica. Das 45 Unidades de Saúde Básica (UBS), 12 atuam com saúde mental. Nestes postos, há psicólogo e psiquiatra disponíveis para a população.

“Para ter acesso a esses profissionais, a pessoa dá entrada na unidade de saúde, o médico solicita, dá entrada via sistema, o núcleo de regulação faz a regulação de acordo com necessidade do usuário, inclusive, com classificação de risco e o tratamento pode ser realizado. Em 2019, foram realizadas mais de 1.500 consultas por mês, na atenção básica”, frisa a coordenadora do Reaps.

Além disso, a SMS possui outro braço para o suporte psicossocial, as equipes do programa de redução de danos que, somente no ano passado, realizou mais de 15 mil acessos, ou seja, abordagens a pessoas em cenas de álcool e outras drogas, atuando na prostituição, ou mesmo em situação carcerária, além de prestar orientação em escolas.

“Aracaju presta esse auxilio nos três níveis de atenção à saúde: na básica, na especializada e na hospitalar. A capital sergipana, assim, segue inovando porque esse modelo de ter psicólogo e psiquiatra na atenção básica não é um modelo ministerial, é um modelo de Aracaju, por isso que se destacou no cenário nacional e ainda é uma das melhores redes de saúde mental do Brasil. O programa de redução de danos do município é único ainda institucionalizado no país e, muitas vezes, a urgência mental é resolvida dentro do próprio Caps e isso também é um diferencial. Nosso intuito é qualificar ainda mais o serviço”, salienta a coordenadora do Reaps.

Caso tenha alguma necessidade, a população pode procurar um dos seis Caps disponíveis:

- Caps III Jael Patrício de Lima - R. J - São Conrado - bairro Dom Luciano,. Telefone: (79) 3245-9666 / 3245-9637 / 3245-9638;
- Caps III Liberdade - rua Distrito Federal, 1000, bairro Siqueira Campos. Telefone: (79) 3179-3873 / 3179-3872;
- Caps III David Capistrano Filho - rua Cel. José Figueiredo de Albuquerque, 1373, bairro Atalaia. Telefone: (79) 3026-2440;
- Caps AD Primavera - avenida Beira Mar, 2118, Bairro Atalaia. Telefone: (79) 3179-4620 / 3179-4621;
- Caps III / IAD Vida - rua Frei Paulo, 344, bairro Suíssa. Telefone: (79) 3179-3770 / 3179-3771;
- Caps Arthur Bispo do Rosário - rua Permínio de Souza, nº 1150, bairro Cirurgia. Telefone: (79) 32531268.

UBS que possuem serviço psicossocial:
- UBS Santa Terezinha
- UBS Humberto Mourão
- UBS Marx de Carvalho
- UBS Dona Sinhazinha
- UBS Joaldo Barbosa
- UBS Edelzio Vieira de Melo
- UBS Dona Jovem
- UBS Francisco Fonseca
- UBS Amália Pina de Assis
- UBS Lauro Dantas