Patrulha Maria da Penha reforça compromisso da Prefeitura com vítimas de violência

Agência Aracaju de Notícias
06/03/2020 12h00

Carla, de 28 anos, lembra da primeira vez em que foi agredida fisicamente pelo ex-marido, estava grávida do primeiro filho. Sofreu agressão também durante a gestação do segundo e ainda recorda da lâmina da faca em seu pescoço. Rosana, de 42 anos, já era viúva do primeiro marido, pai dos três primeiros filhos, quando conheceu o homem, pai do quarto filho, que, oito anos depois, a ameaçou de morte.

As duas mulheres, com realidades de vida diferentes, residentes em regiões diferentes de Aracaju e que possuem rotinas distintas têm um ponto de intersecção em suas histórias: ambas foram vítimas de violência doméstica e, hoje, contam com medida protetiva e assistência da Patrulha Maria da Penha, serviço ofertado pela Prefeitura de Aracaju, por meio da Guarda Municipal (GMA), em parceria com o Tribunal de Justiça de Sergipe (TJ/SE), para reforçar a atuação municipal voltada às mulheres, que, no próximo domingo, dia 8, têm suas conquistas celebradas internacionalmente.

Lançado em maio de 2019, como projeto piloto, o programa chegou com a proposta de fazer o acompanhamento de 20 mulheres que estavam sob medida protetiva e contava com a atuação de seis guardiões. Atualmente, já efetivada, além de ter aumentado o número de mulheres assistidas para 27, sendo que 38 já passaram pela assistência, a Patrulha acrescentou mais nove guardiões para realizar o trabalho de acompanhamento das mulheres vítimas de violência.

“A Patrulha Maria da Penha é um programa que foi gestado durante um ano, com treinamentos e capacitações dos guardiões e das equipes envolvidas. As mulheres assistidas são encaminhadas pelo Tribunal de Justiça. Em seguida, essas assistidas passam a receber visitas periódicas da Patrulha. Ao mesmo tempo em que a Guarda está ali para garantir a proteção, existe uma rede integrada para prestar auxílio a elas”, explica o secretário municipal da Defesa Social e da Cidadania, Luís Fernando.

Junto à Secretaria Municipal da Assistência Social, continua Luís Fernando, elas podem contar com tratamento psicológico que, inclusive, olha a família como um todo, caso existam crianças envolvidas. “A ideia é fomentar o empoderamento dessas mulheres e, logicamente, protegê-las para que não haja o descumprimento da medida protetiva”, pontua o secretário.

De acordo com representante da Patrulha, GM José de Souza, a resposta das assistidas é sempre positiva. “A partir do momento em que estabelecemos uma vivência com essas mulheres, elas passam a ter mais confiança, não só no nosso trabalho, mas também em poder ter uma vida que não seja presa, com medo, dentro de uma casa. Além das visitas, sem horário especificado, às residências, as acompanhamos nas audiências e nas áreas de risco, como ambiente de trabalho ou em locais que elas costumavam ir com os ex-companheiros”, ressalta o guardião municipal.

O GM explicou, ainda, que o programa acompanha a mulher até o momento em que ela sentir necessidade. Segundo informou, atualmente são 27 ativas e 11 inativas. No caso dessas últimas, elas deixaram o programa ou porque mudaram para outra cidade, se sentiram mais seguras e dispensaram o serviço ou porque o processo junto ao TJ foi concluído.

“É lógico que 27 não é o número de processos que estão em andamento no TJ porque são muito mais, sem contar as subnotificações, quando as vítimas deixam de denunciar. O trabalho da Patrulha é uma das pontas de toda uma rede que está a favor da mulher e é preciso que as vítimas encontrem meios para dar esse passo e denunciar seus agressores. Nosso trabalho tem nos mostrado que existe confiança por parte das assistidas e isso é um termômetro para sabermos que está dando certo. O intuito é ampliar ainda mais e prestar todo o suporte para ajudar as mulheres vítimas de violência e mostrar que elas podem sair dessa situação”, garante.

Além do trabalho de acompanhamento das mulheres, a Patrulha também realiza a prisão daqueles que descumprem a medida. Até o momento, já foram efetuadas três. A primeira delas ocorreu cerca de um mês após a Patrulha ser lançada; a segunda, em novembro do ano passado; e a terceira, em janeiro deste ano.

Retomada de vida
Carla conheceu o ex-companheiro quando tinha apenas 14 anos e, como a maioria dos amores juvenis, foi um sentimento arrebatador que excluía os primeiros sintomas de possessão do então adolescente. A mãe de Carla, na época, chamou a atenção da filha para os traços de ciúme do namorado, mas, foi em vão.

“Ele sempre foi ciumento, implicava com as amizades, mas sempre dizendo que era por cuidado e, aos poucos, fui me afastando de todos os meus amigos. Engravidei do primeiro filho com quase 18 anos e, pouco depois, casamos porque já estava nos nossos planos. As coisas começaram a se intensificar justamente depois do casamento quando, acredito, ele aflorou ainda mais o sentimento de posse. Ele me limitava a muitas coisas e eu acabava cedendo. Quando eu comecei a bater de frente, só piorou. Ele sempre achava que alguém estava dando em cima de mim. Eu me sentia culpada e, por causa disso, nunca cumprimentava homens com abraço, era sempre com aperto de mão e mal olhava para a pessoa. Eu nem podia sorrir para outros homens na presença dele”, conta.

A primeira agressão física ocorreu quando Carla estava grávida do primeiro filho. Ela chegou a ter um leve sangramento, mas, conseguiu segurar a gestação.

“Por trás do cenário da própria agressão física, existia a agressão psicológica. A cada episódio, ele dizia que não aconteceria de novo e que me amava. Quando a mulher está naquele meio, é difícil enxergar com clareza. Quando existe filho, a coisa é outra porque eu cheguei a permanecer no casamento por causa dos meus filhos. Além disso, sou filha de pais separados e sonhava em ter um casamento feliz. Quando o mais velho tinha 6 anos, eu disse que não queria mais e ele usou o menino para se fazer de vítima e me chantagear. Perdi a conta de quantas agressões físicas e psicológicas ocorreram. Até relação sexual eu fazia obrigada, à força”, relata.

Carla engravidou do segundo filho e voltou a ser agredida no sétimo mês de gestação. Um mês depois de dar à luz, descobriu a traição do ex-esposo.

“Mais uma vez, ele disse que não aconteceria de novo, mas, tempos depois descobri que ele continuava me traindo. Quando quis me separar, ele começou a dizer que eu queria aquilo, na verdade, porque eu estava tendo um caso. Houve uma época em que ele colocou um gravador no sapato que eu usava. Foi mais ou menos nesse período que ele me ameaçou com uma faca e, para mim, aquilo tinha que acabar. Pensei em fugir, mas, pensei em minha mãe. Quando disse que iria sair de casa, ele falou que eu não iria levar meus filhos. Foi quando liguei pra polícia”, recorda a assistida.

Foi neste momento que a Patrulha entrou na vida da Carla.

“Foi uma reviravolta. Você vai retomando a si. A partir do momento em que tive o apoio da Patrulha, passei a me sentir mais dona de mim, a ter uma rotina, sair para almoçar sem medo. Só o fato de saber que tem esse amparo já dá um fôlego para retomar a rotina e se recuperar”, afirmou.

Segundo a assistida, a ótica sobre si mesma mudou. “Para mim, a mulher é o centro de uma grande força. Hoje, mesmo com todas as minhas atribuições, sinto essa força. Hoje, eu começo a me enxergar como mulher. Uma coisa foi quando eu fiz o B.O sem ter o acompanhamento da Patrulha, eu me sentia vulnerável do mesmo jeito. Atualmente, sabendo que existe esse acompanhamento, eu já consigo, inclusive, dizer para outras mulheres para procurar ajuda e sair do relacionamento abusivo. É muito importante saber que não se está sozinha”, frisou.

Atualmente, Carla não vê mais o ex-companheiro que só participa da vida dos filhos.

Aos 42 anos, Rosanaa tem vivido o desafio de voltar a se olhar e a desejar uma vida mais leve depois que teve sua existência ameaçada pelo homem que, até outro dia, julgava conhecer.

“Eu já o conhecia há mais de 20 anos, mas, só nos envolvemos depois que meu marido faleceu e, após quatro anos, saí de São Paulo e vim para Aracaju. Vim morar aqui porque seria mais fácil do que ficar em São Paulo. No início, como dizem, tudo são flores, mas, para ser sincera nossa relação não era ruim. A única questão que levava às brigas era que ele usava maconha e eu não gostava, afinal, não queria meus filhos expostos, ainda mais na região da cidade em que a gente vive, onde tem muito traficante. Ele nunca colocou nada em casa, mas, isso não era algo que me incomodava, eu sempre trabalhei para dar tudo aos meus filhos”, revelou Rosana.

O cenário se transformou após a separação, há cerca de dois anos.

“Um dia, sem motivo algum, ele chegou a correr atrás de mim, na rua, com uma faca na mão, mas a coisa mudou no dia em que ele veio na minha casa ameaçar a mim e a meus filhos. Fui até a delegacia e fiz a denúncia. Pouco tempo depois a Patrulha começou a me acompanhar. Sempre me perguntei o porquê. Ele sabe quem eu sou, a mulher que eu sou, o ser humano que sou e nunca achei razão para tudo isso. Eu não entendo. Por medo, por um tempo, eu não quis que ele viesse ver o filho e, então, ele acionou a Justiça contra mim. Hoje, depois disso, é ele quem não vê o filho porque não quer. Depois de ter minha vida ameaçada, nunca mais dormi tranquila. Eu vivo por meus filhos, então, para eles, eu aparento estar bem e forte. Eu cheguei a ter crises de ansiedade e sentia que ia morrer. Já passei por tanta coisa, mas, quando se trata dos meus filhos, a coisa muda de história. Essa situação mexeu com ele também, então, me desestabiliza. Não quero que eles cresçam com a mesma dor que carrego dentro de mim”, ressaltou.

De acordo com Rosana, na Patrulha Maria da Penha ela encontrou uma família, o suporte necessário para fazê-la seguir em frente.

“Eu não tinha companheirismo aqui em Aracaju. A Patrulha me dá todo o suporte, toda a atenção, me orienta, sempre me pergunta como estou. Eu não preciso procurar, os guardas vêm até mim. Meus filhos sentem confiança porque, mesmo no trabalho, eles passam por lá, passam por minha casa. Isso me ajudou muito.Teve momento em que pensei em desistir de tudo, a Patrulha foi o que me mostrou que devo continuar. Vejo o amor e o respeito que têm pelo ser humano e isso é o que me leva a confiar na Patrulha. Apesar de ainda não ter superado a situação, sei que tenho apoio desses profissionais e isso, de alguma forma, fortalece. Ser mulher é muito difícil, mas, acho que Deus nos deu o dom da força. Cada mulher é uma guerreira dentro da sua realidade de vida. Mulher vai atrás, ela consegue, ela tem uma força diferenciada, por isso, nos meus melhores momentos, acredito que vou sair dessa”, completou.