Famílias da Ocupação das Mangabeiras se veem mais próximas da conquista da casa própria

Assistência Social e Cidadania
26/07/2020 04h00

“O coração está a cem mil por hora desde o dia em que recebi a notícia que sairia daqui. Fiquei muito emocionada, nem estava me alimentando direito de tanta felicidade. Foram muitas humilhações, provocações, só Jesus sabe o que eu passei morando nesse barraco. Quando receber a chave da minha casa sentirei uma alegria sem tamanho”. O relato da dona de casa Maria Anúzia Santos, 61, reflete a realidade encarada por ela há seis anos e por outras centenas de moradores residentes na Ocupação das Mangabeiras, situada no bairro 17 de Março.

Desempregada, dona Maria chegou ao local em 2014, após não ter mais condições de pagar o aluguel da casa onde morava no bairro 18 do Forte. Depois de ter criado seu filho, não ter contato com a família, ela se viu sozinha, sem saber para onde ir. “Passei muitos anos pagando aluguel, depois não tive mais dinheiro e vim para cá. Ao chegar aqui, pedi a Deus muita força e coragem porque sabia que não seria fácil. Passei por várias situações difíceis. Quando saía do meu barraco não encontrava do mesmo jeito que havia deixado, já sofri agressões, mesmo assim, tive esperança e fé de que um dia sairia com a minha casa. Foi o meu presente de aniversário antecipado”, contou a dona de casa, prestes a completar 62 anos.  

O sonho da casa própria já está ganhando forma. Desde a segunda-feira (20), o trabalho integrado da Prefeitura de Aracaju garante a realocação de famílias para casas alugadas, subsidiadas pela administração municipal, durante o período de dois anos e quatro meses, prazo para a conclusão da obra do novo complexo habitacional, batizado de “Irmã Dulce dos Pobres”. Serão 1.102 unidades, sendo 840 destinadas às famílias da ocupação e 262 para as pessoas que recebem o auxílio-moradia há mais tempo.

A Ocupação das Mangabeiras, a maior da capital sergipana, concentra a população que vive em situação de extrema pobreza e vulnerabilidade social. São crianças, adolescentes, adultos e idosos que viviam em condições indignas. Muitos, sobrevivem da reciclagem de materiais, benefícios de programas sociais, a exemplo do Bolsa Família, de doações ou fazendo bicos, como é o caso do autônomo Manoel Alves, 62, conhecido como “Galego”. Casado, ele mora com a esposa no local há seis anos. Ele dividia o pequeno terreno com seus outros dois irmãos, que também foram contemplados.

“Faço vários bicos, qualquer um que apareça, para ter meu dinheiro e comprar o pão de cada dia. Sofro preconceito por morar aqui, por isso não arrumo emprego. Vim para cá por não ter como pagar aluguel de uma casa e passava por muitas dificuldades. Já roubaram minha bicicleta, celular e o dinheiro de um bico que fiz. Agora, é só felicidade, uma vitória conquistada, só tenho a agradecer a Deus. Mesmo indo para a casa alugada, tenho perspectivas de vida. Penso em ter um filho e um trabalho melhor. Só pelo fato de ter uma casa nova, já me traz dignidade”, falou.

Durante a operação de realocação, as famílias contaram com o apoio de cerca de 300 profissionais da administração municipal. A logística, preparada para esta ação conta com o trabalho integrado das secretarias municipais da Assistência Social, que aborda, orienta e atende pessoas para a resolução de pendências; da Defesa Social e da Cidadania (Semdec), por meio da Guarda Municipal de Aracaju e Defesa Civil, para garantir a segurança das famílias e dos trabalhadore;, e das empresas municipais de Obras e Urbanização (Emurb), que disponibilizou 15 caminhões para transportar os móveis para as novas residências, e de Serviços Urbanos (Emsurb), com a demolição dos barracos, pessoal para fazer o carregamento dos móveis das famílias, além do recolhimento dos materiais e limpeza no local.

A catadora de materiais recicláveis Solange Santos, 47, é mãe de três filhos. Ela foi uma das primeiras pessoas a ocupar o local quando passou a não ter condições de pagar o aluguel e perdeu o acesso à moradia. Em seu barraco, existiam apenas duas camas de solteiro, um armário de cozinha pequeno, fogão e um sofá. “Antes de vir, morava em uma casa normal, quando cheguei aqui, senti um reflexo muito grande com a falta de segurança e saneamento básico. Foi uma luta grande. Meu primeiro barraco foi de madeira. Depois de muito trabalho, consegui comprar os blocos”, relatou.

Para conseguir uma fonte de renda, Solange e seus filhos saem às ruas todos os dias para recolher materiais recicláveis. “Quando falo para as pessoas que moro aqui, ninguém quer me empregar, sofro preconceito. Nesses seis anos, eu e meus filhos pequenos saímos com a carroça para fazer reciclagem, é o meu meio de vida. Faço bico de diarista, isso quando surge, mas nessa pandemia, nunca mais apareceu. Muitas vezes, recebo ajuda de vizinhos e do Centro de Referência da Assistência Social, o Cras do 17 de Março, que me dá cesta básica”, disse.

Para ela, a notícia da casa nova lhe trouxe sensação de alívio. “Foi nossa maior alegria quando soube que iríamos para o Aluguel Social para ganhar nossa casinha própria, futuramente. Vai ser um paraíso. A qualidade de vida vai melhorar. Enquanto isso estou recebendo um apoio muito bom da Prefeitura. Saio daqui, mas depois eu volto para a minha casa”, completou, feliz.

Há sete anos, o servente de pedreiro José Fernando dos Santos, 57, natural de São Domingos, interior sergipano, chegou a Aracaju na busca por um emprego. Sem encontrar, ele ocupou um terreno com muita lama nas Mangabeiras. “Só tinha a roupa do couro. Dormia em cima de um papelão. Para comprar as madeiras e construir o meu barraco, era muito caro. Como não consegui emprego, não tinha opção. Com muitos bicos, consegui comprar. Nos finais de ano, sempre saio às ruas para recolher os móveis que jogam nas portas e, assim, mobílio o meu barraco”, contou.

O José também já sofreu preconceitos por morar no local. “Somos muitos discriminados por morar aqui. Quando chego no comércio para comprar alguma coisa e pedem meu comprovante de residência, digo que não tenho porque moro em favela e os vendedores viram o rosto”, continuou.

Para ele, tudo vai ser deixado para trás. “Isso já acabou. Já roubaram minha bicicleta, já presenciei muitas mortes, mas daqui pra frente será uma nova vida. Foram os meus últimos dias nesse lugar, graças a Deus”, disse, emocionado. Ele ainda elogiou o trabalho da gestão municipal. “Está sendo excelente, estou satisfeito, tudo muito organizado”, frisou.

Nova etapa

Após o processo de realocação, será a feita a limpeza do terreno, estruturação do local, como drenagem e esgotamento sanitário e construção das novas residências.