Prefeitura trabalha na promoção da igualdade racial

Matérias
01/05/2018 13h00

"A caixa do lápis de cor brincando nas mãos de Deus
De repente, pinta gente de tudo que é cor de pele
Tão lindos e diferentes que, mesmo que Deus se mele, é divertido brincar
E segue Deus desenhando sobrancelhas arqueadas ou cheias ou quase nada...
Bochechas iluminadas e vai a beleza, espalhando pelas cores das pessoas gente da cor da alvorada ou de uma pele escura como o céu da noite estrelada
Então estamos conversados, somos lindos e variados
Qual a razão para queixa?
Se havendo os olhos claros

Aos belos cor de ameixa
Narizes bem redondinhos em cima de lábios de flor e uns outros pontudinhos, tudo ao pai e a mãe puxou

Têm cabelos escorridos, crespos, enroladinhos, macios bons de pegar, como lã de carneirinho, mas pretinho
A natureza é bonita com a sua variedade, adulto que diz ao contrário, querendo ou não faz maldade

Que tal mostrar nossa cor pra quem não sabe o que é belo?
E pensa que a beleza só vai do branco ao amarelo

Ahhh!!! Que bobagem, vermelho, marrom e preto
Também fazem lindos rostos e paisagens

Olhando o espelho bem de perto é que se vê a verdade".  

(Extraído do documentário Lápis de Cor)

 

Neto queria ter nascido de outra cor. De frente para uma câmera ele foi questionado sobre qual cor gostaria de ter e apontou para a sola dos pés e para a palma das mãos, as partes mais claras do seu corpo. Com apenas 5 anos ele dizia não gostar da sua cor. O depoimento de Neto faz parte do documentário "Lápis de Cor" (2014) que, durante o ano de 2017, foi um dos artifícios utilizados pela Gerência de Igualdade Racial e pela Coordenadoria de Promoção da Equidade para desenvolver trabalhos nas escolas municipais de Aracaju. Assim como no documentário, o trabalho da coordenadoria foi instigar crianças a admirar a sua cor de pele e também a do outro, fomentando assim a ideia de que o diferente também é belo.

Trabalhar com o foco nas crianças e adolescentes foi uma das formas encontradas para tratar um preconceito que muitas vezes começa na infância e vem do meio externo. Esse foi apenas um dos eixos de atuação: tentar ensinar o que nem deveria ser necessário, que a cor da pele é apenas mais um detalhe como tantos outros que realçam as diferenças comuns a todos e que não nos fazem inferiores ou superiores, apenas diferentes.  

Durante o primeiro ano da coordenadoria foram eleitos três focos de trabalho. O primeiro foi o trabalho para dentro dos próprios órgãos da administração municipal, o segundo foi com o público de crianças e adolescentes, e o terceiro com os movimentos sociais.

Racismo Institucional

Como em todo trabalho de renovação, a mudança tem que começar de forma interna, e foi isso que a coordenadoria tratou de fazer, voltou os olhos para dentro da gestão municipal.

"Quando a gente fala no tema ‘Igualdade Racial' sabemos que o racismo é uma prática individual, mas ele é também uma prática de um modo coletivo de operar, então, as instituições, sejam públicas ou privadas, praticam o racismo, independente da boa vontade ou da concepção do gestor, porque as instituições brasileiras foram se formando a partir de práticas que colocam a população negra em determinado lugar de inferioridade. Por isso, ao longo de 2017, para dentro da administração, procuramos conversar com os servidores da Prefeitura de Aracaju sobre a questão do racismo institucional", destacou Paulo Victor, coordenador de Promoção de Equidade, membro da Diretoria de Direitos Humanos da Secretaria Municipal da Assistência Social.

Assim, foi desenvolvida uma série de ações nos órgãos municipais, como rodas de conversa com trabalhadores da Saúde, Assistência, Educação e demais secretarias, principalmente com aqueles que lidam diretamente com a população. Uma das ações mais contundentes foi a ‘Caravana da Consciência Negra', desenvolvida em novembro passado. "A partir da ferramenta da arte e da cultura, em parceria com a Coordenação de Arte e Educação da Semed (Secretaria Municipal da Educação), nós percorremos alguns prédios da Prefeitura conversando sobre racismo institucional, na semana do 20 de Novembro. Conversamos sobre meios de como podemos prevenir ou combater o racismo institucional", afirmou Paulo Victor.

Crianças e Adolescentes

Como destacado no início, trabalhar com crianças e adolescentes foi um dos focos e meio estratégico de cuidar de um preconceito que não nasce conosco, mas é introduzido ao longo da vida através de formas retrógradas e infelizes de pensar e sentir o outro e a si mesmo.

Por meio de uma parceria com a Semed, em março do ano passado, a coordenadoria implantou o projeto ‘Lápis de Cor', baseado no documentário. Ao todo, 28 escolas municipais foram visitadas por equipes da Assistência. Em cada uma delas, uma turma foi escolhida com crianças entre 8 e 11 anos de idade, onde foi iniciada uma conversa sobre racismo, bullying e discriminação racial e, logo em seguida, a apresentação do documentário que discute como base os lápis ‘cor de pele' que as crianças utilizam. "Tentamos provocar nas crianças o que é essa ‘cor de pele', uma forma lúdica que encontramos para discutir com elas uma coisa que não é simples, que é a questão do racismo. A partir do filme, discutimos várias questões, como o cabelo das meninas negras, os apelidos que se coloca nos meninos negros, sobre o ideal de beleza que eles vão construindo na infância e, depois dessa conversa, pedimos que eles produzam um desenho sobre como eles se veem", explicou Paulo Victor.

Movimentos sociais

Bem como a concepção da Diretoria de Direitos Humanos, os movimentos sociais tiveram papel de extrema relevância para as ações de cada uma das coordenadorias, tendo em vista, principalmente, que são canal direto para as questões mais conflitantes das diversas vertentes da sociedade, reforçando o entendimento de que qualquer política pública nesse sentido só terá êxito se tiver a participação popular.

Desta forma, junto aos movimentos sociais, foi realizada a 3ª Conferência de Igualdade Racial, com a presença de mais de 200 pessoas, precedida de quatro pré-conferências territoriais (Santa Maria, Santos Dumont, Bairro Industrial e Maloca, na comunidade quilombola de Aracaju).

Outra ação que envolveu os movimentos sociais e atraiu dezenas de pessoas foi a 1ª Semana da Mulher Negra de Aracaju, em parceria com a Coordenadoria de Políticas para as Mulheres, em que também houve conversas com servidores e usuários dos serviços dos equipamentos municipais.

A ideia de racismo

Admitir que o preconceito existe é um dos primeiros passos para enfrentá-lo, não se pode tratar algo em que não existe e, infelizmente, mesmo quando mais da metade (58%) da população brasileira é de pretos ou pardos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o racismo ainda é gritante.

Quando falamos de racismo no Brasil é válido ressaltar que é a população negra que mais sofre com a violência, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). No mercado de trabalho, é essa população que mais enfrenta dificuldade de ascensão, conforme apontou o Ministério Público do Trabalho (MPT) e, segundo o Atlas da Violência 2017, é também ela que corresponde à maioria (78,9%) dos 10% dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídio.

"Numa pesquisa foi registrado que 98% da população brasileira acredita que existe, sim, racismo no Brasil. Apenas 3% da população se afirma racista. Então, é quase um crime sem criminoso. Ninguém quer ser identificado como alguém que pratica algo ruim, mas nós praticamos, independente da nossa vontade. É importante que a gente entenda que a partir da nossa ação individual, a gente pode começar a transformar também. O fundamental é que a gente precisa sair da ideia, que é real, de que o Brasil é um país racista, para a ideia de que ‘opa, eu também pratico o racismo'. Racismo não é só quando eu xingo o outro de macaco ou quando eu digo que fulano é feio por causa do nariz. Práticas e métodos que vão se constituindo no cotidiano são também racistas", ressaltou Paulo Victor.

Para o coordenador de Promoção de Equidade, falar sobre questão de igualdade racial não é, como dizem, falar sobre minoria. "Aracaju é uma cidade com quase 70% da população negra, isso é dado do IBGE. A gente está falando de ações para a maioria da cidade. Não é uma questão que deve ser pequena. Quando eu pensar em política pública para habitação eu tenho que pensar no recorte racial porque a maioria das pessoas que não têm casa são negras. Quando eu falo sobre trabalho infantil, eu tenho que pensar na criança negra porque 80% das crianças no trabalho infantil são crianças negras. Quando eu falo da questão do desemprego, eu tenho que ter o recorte racial porque a maioria das pessoas que estão desempregadas é negra. Quando a gente fala de Igualdade Racial a gente está falando da cidade como um todo", frisou.

2018

Além de desenvolver ainda mais aquilo que já foi fomentado em 2017, a coordenadoria trabalha agora para implantar o Conselho Municipal de Igualdade Racial, além de pensar numa política permanente de formação de professores e em como garantir o direito ao culto religioso para as religiões de matrizes afro.