Mercados mantêm viva a cultura sergipana

Cultura
29/07/2010 12h26

Música, artesanato, literatura de cordel, dança, teatro, cinema. Poucos são os lugares de Aracaju que reúnem todas essas formas de arte, e os mercados centrais são um deles. O Antônio Franco, Thales Ferraz e Albano Franco transbordam cultura sergipana por todos os lados em todas as épocas do ano.

Ao visitar os mercados centrais da capital, tanto o turista quanto o aracajuano se encanta com o artesanato sergipano, que exibe suas ricas rendas produzidas em diversos municípios do estado, além de peças em barro, tecido, madeira, plástico e materiais reciclados.

A arte de Sergipe comercializada no local remete muitas vezes os filhos da terra aos idos da infância. Já os turistas têm, através desses produtos, uma mostra do que pode nascer das mãos calejadas de sergipanos que lutam para sobreviver da sua arte.

Música

O forrozeiro Zé Américo de Campo do Brito é um grande personagem dos mercados centrais. Além de brilhar como artista, ele mantém no local, há sete anos, um restaurante de comida nordestina que ele garante ser de primeira qualidade. Mas quem chega ao estabelecimento às sextas e sábados não encontra apenas gastronomia. Nesses dias, o público assiste a apresentações de trios de forró pé-de-serra. "Eu toco e recebo convidados. Quem for chegando e quiser tocar, pode ficar à vontade", conta Zé Américo.

Já passaram pelo restaurante do forrozeiro ilustres artistas sergipanos, como Erivaldo de Carira, Mimi do Acordeon, Trio Itapoã e Galego do Acordeon. "Sempre temos casa cheia nos dias de shows. Esse já é um point do mercado. Quem quiser vir tocar, é só chegar. Só precisa tocar melhor que eu, para não espantar a minha freguesia", brinca ele.

Além do forró de Zé Américo de Campo do Brito, há também no mercado diversas outras opções para quem gosta de boa música. Duas vezes ao mês, apresentam-se na área dos mercados diversos grupos de choro. "Todo sábado, há também por aqui grupos de capoeira, de reisado, trovadores e repentistas. Como sempre estou por aqui, divulgo essas atrações pra todo turista que passa. Faço isso porque gosto de valorizar a cultura de Aracaju", revela o artista.

Eventos

O projeto de revitalização dos mercados centrais de Aracaju, além de apresentar uma solução para os problemas que existiam no local, previa também a construção de uma grande praça de eventos, que mais tarde recebeu o nome do carnavalesco Hilton Lopes. É nesse local que, desde que a obra foi entregue, acontece o Forró Caju, um dos maiores eventos juninos do Brasil.

Este ano, a festa reuniu 125 atrações em 12 dias de festa mais e mais de 180 horas de shows. Com um público médio de 100 mil pessoas por noite, com picos de 150 mil nas datas mais concorridas, a última edição do evento contou com grandes artistas nacionais, como Gilberto Gil, Geraldo Azevedo, Elba Ramalho, Alceu Valença e Dominguinhos.

Além do Forró Caju, outro evento que já é tradicional na área dos mercados é a Rua da Cultura. A iniciativa tem o objetivo de dar visibilidade à produção artística e cultural sergipana, levando música, cinema, teatro e dança todas as segundas-feiras, a partir das 19h, para uma das praças do Mercado Municipal de Aracaju.

O projeto, realizado há sete anos pela companhia de teatro Stultífera Navis, tem à frente o ator e diretor teatral Lindemberg Monteiro e busca ocupar o espaço público dos mercados, proporcionando o acesso gratuito às diversas representações artísticas do estado.

Cordel

Uma literatura que não transita apenas pelo ambiente das escolas e das universidades, mas principalmente na boca do povo. É assim a história do cordel, que em Aracaju tem em João Firmino Cabral o seu principal representante. Há 54 anos, o cordelista defende com unhas e dentes a arte no estado de Sergipe. Em reconhecimento, foi condecorado com a medalha de mérito cultural Ignácio Barbosa e tem, desde 2002, seu nome estampado em uma das salas da Biblioteca Municipal Clodomir Silva.

João Firmino começou a se interessar pelo cordel ainda criança, quando sua mãe comprava alguns exemplares nas feiras da época. Aos 14 anos, ele passou a comercializar os livretos e já aos 16 escrevia seus próprios cordéis. Entre os 128 títulos de sua autoria estão ‘Nascimento, vida e morte do cangaceiro Zé Baiano' e ‘História do Palácio Olímpio Campos e a Revolta de Fausto Cardoso', lançado este ano em função da inauguração do local, que agora funciona como Palácio-Museu. "Minha obra, graças a Deus, é muito bem vendida, apesar de ser produzida por um semi-analfabeto", conta João.

O cordelista mantém, desde a reinauguração dos mercados centrais, há 10 anos, uma banca no local, que já se tornou referência para artistas, turistas e amantes do cordel. O comércio, onde são vendidos exemplares da literatura de cordel, funciona também como sebo, onde se compra, vende e troca romances usados.

O também cordelista Ronaldo Dórea conta que começou escrevendo poemas, mas há 10 anos se apaixonou pela literatura de cordel. Com mais de 15 livros escritos, todos com temas relacionados ao sertão, ele revela que sempre vai ao mercado e recomenda a banca de João Firmino. "Em todo o país, é comum encontrar poetas nas áreas próximas aos mercados municipais. Aqui é como se fosse a casa da cultura popular", declara Dórea.

Livros e discos

José Rito nasceu no interior de Pernambuco, mas mora há 20 anos em Aracaju. Apaixonado por essa terra, sempre teve o sonho de trabalhar no meio do mercado. "Eu sempre quis trabalhar diretamente com o povo e aqui nos mercados você vê todo tipo de gente e de situação. Aqui você conhece os costumes do povo, presencia brigas de casal e ouve diversas histórias inusitadas", relata.

Sua paixão pela cultura sergipana nasceu quando estudou teatro com o Grupo Imbuaça e teve o primeiro contato com o folclore do estado. Com o tempo, foi tomando gosto pela música, pelo cordel e pela literatura em geral. Há nove anos, ele conseguiu, de forma bastante modesta, realizar o sonho de ter uma banca no Mercado Antônio Franco.

"Comecei com 14 exemplares da literatura sergipana e também vendia vinis", conta Rito. Com o avanço tecnológico da indústria fonográfica, que tornou o vinil um produto obsoleto, o comerciante passou a vender CDs, sempre de intérpretes de Sergipe. Artistas como Joésia Ramos, Amorosa e Chico Queiroga estão entre os mais procurados na banca.

Apesar de achar uma maravilha trabalhar no mercado, Rito conta que muita gente tem preconceito em comercializar produtos no local. "As pessoas ainda têm a visão do mercado antigo, antes da revitalização, quando aqui era um lugar de tráfico de drogas e prostituição. Eu tento sempre desmistificar essa visão, mostrando as belezas que é possível encontrar no mercado", enfatiza ele.

Os livros, exclusivamente escritos por autores sergipanos, ocupam a maior parte da banca de José Rito. Desfilam nas prateleiras exemplares que guardam em suas páginas desde poesias até a história de Sergipe, todos já lidos pelo vendedor. "Leio esses livros porque amo a cultura sergipana e também porque preciso conhecer para indicar aos meus clientes", explica o comerciante.

O pernambucano Rito, que já quis vender a banca, mas desistiu quando pensou que, ao acordar, não iria ao mercado, conta que muita gente acha estranha essa sua devoção à cultura do estado. "As pessoas acham que eu só quero aparecer, mas não é isso. Eu gosto tanto disso aqui que trabalho incansavelmente, até aos domingos. Posso até passar a comercializar outro tipo de produto, mas não deixo nunca de vender e valorizar a cultura sergipana", orgulha-se.

 

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