Pedagogia Waldorf e Educaju transformam realidade pedagógica no 17 de Março

Educação
05/06/2023 11h00

Em 2022, com o retorno ao ensino presencial após dois anos de aulas remotas, instituições educacionais de todo o Brasil se depararam com as consequências da fase pandêmica para o desempenho dos alunos. De imediato, a Prefeitura de Aracaju, por meio da Secretaria Municipal da Educação (Semed), iniciou um processo de recomposição da aprendizagem e fortalecimento da alfabetização. Com este fim, na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) José Souza de Jesus, no bairro 17 de Março, cujo trabalho segue a Pedagogia Waldorf, foi necessária a adaptação das práticas pedagógicas comuns ao seu dia a dia.

Após um levantamento realizado pela escola assim que as aulas voltaram ao modo presencial, haviam cerca de 90% de crianças não leitoras em todas as séries. A equipe pedagógica aproveitou o escalonamento da turma por grupos, necessário naquele período, para fazer a reenturmação por níveis de aprendizado. Junto a isso, a Semed iniciou as ações do programa Educaju, com reforço pedagógico, assistentes de alfabetização, avaliações diagnósticas e as diversas formações entre os educadores. Hoje, em meados do primeiro semestre do ano letivo 2023, 60% dos estudantes estão alfabetizados e a unidade de ensino tem o objetivo de alcançar 100% até o final do ano.

"Tínhamos alunos em situação crítica na aprendizagem, até mesmo no 4º ano. Se formos fazer uma análise, aqueles que cursaram o 3º ano em 2020, por exemplo, chegaram a 2022 já no 5º ano, mas sem terem estudado como deveriam. Foi aí que vieram as várias ações da Semed e nossos professores também entenderam que precisavam agir de forma diferenciada. Arregaçamos as mangas e começamos a trabalhar. A chegada da Prova de Leitura foi fantástica, pudemos ver de forma mais clara quem eram os estudantes com mais dificuldades", relata a coordenadora pedagógica da Emef, Rivânia Rocha.

Diretor do Departamento de Educação Básica (DEB/Semed), Evilson Nunes pontua que, devido à situação mais crítica nos indicadores de aprendizagem, a unidade escolar exigiu uma intervenção mais direcionada por parte da Educação. Conforme ele explica, a integração de pedagogias atuando para melhor qualificação dos alunos fez muito sentido para aquela comunidade inserida em um contexto social mais delicado, ao mesmo tempo, gera a aproximação da família ao ambiente escolar.

"Integrar família e escola no bairro 17 de Março contribui para que a gente consiga acelerar o processo de alfabetização e para que aqueles estudantes tenham um desempenho similar ao das demais unidades da rede municipal. A Waldorf trouxe essa maior aproximação maior entre unidade de ensino e núcleo familiar. Isso tem sido importante para a valorização da instituição educacional na comunidade, para reduzir questões de violência e deve ser também algo que a gente busque para as outras Emeis e Emefs: tornar a escola um polo de atração social com foco na aprendizagem. Tratamos disso criando um padrão, uma perspectiva única para toda a rede e em uma política única de alfabetização", pontua Evilson.

Princípios alinhados
A abordagem Waldorf tem como foco trabalhar o aluno como ser integral e não apenas seu intelecto, mas considerando os aspectos sociais, emocionais, motores e cognitivos. Por se basear, também, na Teoria dos Setênios, em que a cada sete anos os indivíduos passam por mudanças significativas, ela recomenda que a alfabetização seja trabalhada a partir dos sete anos de idade.  A Emef, entretanto, tem buscado alinhar os princípios deste método de ensino aos esforços da Educação de Aracaju em potencializar, cada vez mais, a alfabetização e, com isso, vem trabalhando habilidades de leitura, escrita e Matemática desde o 1º ano do ensino fundamental.

“Nós estamos inseridos em uma rede pública, temos legislações como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que orienta a alfabetização a partir do 1º ano. Além disso, temos uma aproximação com a criança que nos faz entender que ela não é só uma mente, mas um todo. Quando ela chega aqui, temos que levar em conta que ela pode estar em um contexto que seja de violência ou da ausência de uma alimentação adequada, no entanto, temos que prepará-la para ser alfabetizada. Ou seja, não fazemos com que só aprendam os conteúdos didáticos, mas fazemos com que se desenvolvam como um todo”, explana Rivania.

Guia para a educação infantil
Os alunos do 1º ano da Emef, em sua maioria, são crianças que vieram da Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Doutor José Calumby Filho, localizada no mesmo bairro e com trabalho baseado, também, na Pedagogia Waldorf. Gestores escolares e professores de ambas escolas se reuniram para discutir a situação em que os alunos do ensino fundamental se encontravam, destacando que era necessária mais ênfase no ensino aprendizado de vogais e consoantes por parte das crianças de 5 anos, que ainda estavam no pré-escolar, para que chegassem mais preparados para aprenderem a ler e escrever.

A partir desse diálogo, docentes das duas unidades escolares estão construindo um guia a ser trabalhado pelos professores dos alunos de 5 anos da Emei Doutor José Calumby Filho. Professora do 1º ano na Emef José de Souza, Aline de Jesus conta que, com este trabalho integrado puderam analisar que o reconhecimento das letras e a fonologia eram os pontos de mais fragilidade no aprendizado das crianças que chegavam da educação infantil.

"A consciência fonológica é o ponto chave para a alfabetização e elas precisavam ser mais trabalhadas antes de vir ao 1º ano. As crianças não precisam chegar lendo, mas identificar as letras e saber rimas facilita no processo da alfabetização porque os faz reconhecer o som das letrinhas. É necessário focar bem nessa parte para que não tenham um choque mais à frente e acabem não sendo bons na leitura. É por isso que se faz tão importante sentar, abrir um livro, estar com um lápis na mão. Dá muito trabalho, mas eles pegam. Eles se empolgam. Chegam contando 'tia eu já sei ler', quando são sílabas, depois querem ler palavras e logo passam para frases", relata Aline.

Alunos mais preparados
Rivânia complementa que os estudantes aprendem sobre as letras realizando trabalhos manuais com recursos concretos, como argila ou gravetos, mas que é preciso intensificar este aprendizado para que já cheguem ao ensino fundamental reconhecendo cada vogal ou consoante. Ela também é mãe de Luís Eduardo Rocha, de seis anos e aluno da professora Aline,  e ressalta que a pedagogia Waldorf a auxilia com um diferencial importante entre os estudantes, que é o preparo maior para o aprendizado.

"Quem chega da Emei Calumby vem mais calmo, tranquilo, e o aprendizado acaba sendo mais fácil. Falo isso também como mãe: meu filho mais novo está cursando o 1º ano agora, veio da Pedagogia Waldorf e observo a disposição que ele tem para aprender. E não é porque é filho da coordenadora que não cobro mais dele que dos outros. A professora dele mesmo me fala que sua turma é como uma esponja, onde tudo de aprendizado que é passado é facilmente absorvido, mas é porque o foco da nossa abordagem é o respeito a cada um. Quando chegam tudo é brincar, são crianças, aos poucos vão mudando. É aí que está a percepção do docente, de ensinar de forma leve, divertida, porque não vai haver tanto interesse se for algo engessado", comenta Rivânia.

Projetos e rotina escolar
Além do trabalho com as ações do Educaju na Emef, também houve a criação de projetos pedagógicos de incentivo à leitura em sala de aula, desenvolvidos por cada professor, e de iniciativa da gestão escolar para abranger todos os alunos, como é o caso do 'Pequenos Leitores'. Nele, foram colocados livros separados por níveis de leitura em caixas organizadoras, e os alunos podem pegar o exemplar que quiserem emprestado para ler em casa.

A escola colocou uma profissional que precisou de readaptação para ficar à frente disso e confeccionou cadernos específicos para que os leitores fizessem anotações sobre o que se lia. As turmas que mais se mostraram engajadas na iniciativa, o 3º ano C e o 5º ano D, foram as que conquistaram um melhor desempenho nas provas do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e do Sistema de Avaliação da Educação Básica de Sergipe (Saese).

Professora do 5º ano na Emef, Elizete de Souza conta que o trabalho com a leitura é feita diariamente e utiliza bastante o caderno de fluência do Educaju. De acordo com ela, o efeito positivo que a escola vem conquistando em relação à alfabetização é fruto da união de uma série de fatores.

"Os textos dos livros ofertados pelo programa facilitaram nosso trabalho e o resultado do esforço de toda a equipe. A gente também trabalha com o Programa Nacional do Livro e do Material Didático [PNLD], aliado à Pedagogia Waldorf nas aulas de arte, o que tranquiliza a criança, diminui a ansiedade, tem a questão também da parceria com os pais. Os chamamos para conversar, temos grupos de WhatsApp, mando a agenda do aluno para eles todos os dias e cobro a devolutiva. Quando o aluno falta nós ligamos e procuramos saber o porquê. Essa parceria com a família tem ajudado bastante", evidencia a docente.

Elizete destaca ainda que tem estimulado o aprendizado de outras habilidades, além da leitura, a partir de atividades diferenciadas. "Gosto muito de trabalhar com o concreto, a prática. Por exemplo, trabalho os sólidos geométricos com materiais como massinha de modelar. Para Língua Portuguesa gosto de usar poesias e desenhos para depois trabalharmos a escrita. Estamos plantando milho na horta da escola, e eles aprendem sobre Ciências e trazemos a questão da data comemorativa, da festa junina. Em tudo vamos tentando aliar a teoria com a prática e é gratificante demais, congruente", detalha. 

Amplo apoio
Representante do Instituto Social Micael, núcleo de Pedagogia Waldorf parceiro da Emef, Maria Aparecida Dias afirma que, no dia a dia escolar, a mesma ênfase que se dá ao cognitivo, se dá à ação e aos sentimentos. Isto porque, segundo ela, tudo que se faz envolve o pensar, o sentir e o agir, e as crianças precisam ter essas qualidades humanas mais equilibradas, e que se os alunos vão vivenciando seu crescimento nas habilidades descritas na BNCC, também podem desenvolver seu campo de ação e de sentimentos.

"O mundo caminha para um desenvolvimento maior do intelecto, com olhos para a Tecnologia das Informações [TI], mas fazer um tecido ou produzir um milho também é tecnologia. Quando faço trabalhos manuais com o aluno, por exemplo, estou aprimorando sua motricidade fina, repercutindo na escrita e trazendo mais sentido para aquela pessoa que tem 6, 7 ou 8 anos. Em relação à leitura, educamos muito por imagens, trazendo para o contexto da criança. Vogal tem esse nome porque vem de voz e quando falamos alguma delas não temos nenhum obstáculo no aparelho fonador. Já na consoante temos um processo diferente. Por isso, alfabetizamos com foco nas imagens do mundo, associando e mostrando que faz sentido", enfatiza Aparecida.

Ela ressalta, também, os caminhos da integração entre os objetivos das duas pedagogias e seus resultados na rede. "Fazemos um trabalho aqui respeitando as metas de quem gere a escola, que é a Prefeitura, analisando o que podemos fazer para atuar e fortalecer a criança como um todo. Temos turmas maravilhosas e o índice de alfabetização foi melhorado, apesar de ter sofrido muito na pandemia. Uma criança aprende o que é humano, o livro pode ser maravilhoso, mas o professor tem que saber trabalhar com ela. Por isso, procuramos fazer este diálogo entre as orientações pedagógicas e os resultados positivos têm chegado", conclui a educadora.