Projeto mede grau de sedentarismo em crianças e introduz novas técnicas de aprendizagem

Educação
20/09/2018 11h14

Um projeto que está sendo aplicado, desde abril deste ano, por uma equipe multidisciplinar formada por pesquisados da Universidade Federal de Sergipe (UFS), na Escola Municipal de Ensino Fundamental Oviêdo Teixeira, no bairro Olaria, em Aracaju, pode mudar consideravelmente a metodologia de ensino da rede municipal. Denominado ‘Projeto Erguer’, o estudo tem como objetivo transformar a dinâmica na sala de aula, alterando comportamentos tradicionais (aluno sentado, lendo livro e copiando os conteúdo do quadro no caderno) por atividades mais dinâmicas, como assistir parte da aula em pé ou utilizando jogos que incentivem o movimento durante as aulas. Nesta fase, o projeto visa verificar se essa mudança de paradigma pode impactar o desempenho acadêmico, funções cognitivas e indicadores de saúde dos alunos. 

Para tanto, duas turmas estão recebendo a intervenção e as outras duas turmas são de controle, isto é, são observadas, mas não recebem a intervenção dos pesquisadores. O grupo está medindo o comportamento sedentário e o nível de atividade física das crianças pesquisadas na unidade com a ajuda de dois aparelhos, o acelerômetro e inclinômetro. Os equipamentos registram segundo a segundo qual o comportamento da criança dentro de sala. Além disso, os pesquisadores – que contam com profissionais das áreas da Pedagogia, Educação Física e Psicologia – introduziram técnicas de ensino (inclusive preparando e disponibilizando material didático de apoio formulado especificamente para o projeto), fazendo avaliações psicológicas e comparando os resultados obtidos entre as turmas. O financiamento para a realização da pesquisa é internacional (International Society of Behavioral Nutrition and Physical Activity) e os resultados serão apresentadas em um congresso em Praga, na República Tcheca, em 2019. 

“A ideia do projeto é refletir sobre o paradigma atual de sala de aula. Temos percebido, ao longo dos anos, que as crianças têm sido muito menos ativas do que eram há um tempo atrás. Todavia, se o ambiente mudou fora da escola, a escola pouco fez para tentar compensar esse tempo que as crianças deixam de ser ativas. Além disso, se considerarmos o período de vigília das crianças, em que elas ficam mais sentadas durante o dia, sobretudo de forma ininterrupta, é justamente o período que estão na escola. Então, qual é a nossa ideia? É que eles tenham as atividades normais das disciplinas, mas que as aulas sejam mais ativas. Acreditamos que, além dos benefícios para a saúde, essa metodologia de trabalho pode auxiliar também o desempenho acadêmico dos alunos. Inclusive, temos evidência científica de que a movimentação auxilia, por exemplo, em alguns processos cognitivos que podem ter a ver com a aprendizagem”, explica o responsável pelo projeto, o professor doutor Danilo Rodrigues Pereira da Silva, do Departamento de Educação Física da UFS. 

Segundo Danilo, a investigação tem várias ambições em médio e longo prazo. Para ele, caso as hipóteses iniciais sejam confirmadas, a intenção é expandir o projeto para outras escolas e faixas etárias, permitindo aos professores e alunos uma nova perspectiva de organização comportamental em sala de aula. Com relação a otimização do aprendizado e das funções cognitivas, o outro pesquisador que integra o projeto, o professor doutor Julian Tejada, do Departamento de Psicologia da UFS, explica o que o grupo procurou estabelecer. 

“Desde já algum tempo, na Psicologia, estudamos o efeito das mudanças fisiológicas nas variáveis psicológicas. Por exemplo: quando uma criança incorpora movimento na sua atividade intelectual, em vez de simplesmente estar imaginando os números para realizar uma operação, ela utiliza suas mãos e movimenta seus dedos, ela terá mais informações sensoriais relacionadas com o mesmo conteúdo, o que reforça o processo de aprendizagem. Dessa maneira, esperamos poder observar mudanças na capacidade e velocidade que as crianças do grupo de intervenção têm de discriminar estímulos. Estamos trabalhando com alguns testes cognitivos que medem memória, tempo de reação, e a capacidade de rotar mentalmente objetos, pois acreditamos que o raciocínio espacial – que é a capacidade de interagir no espaço com objetos tridimensionais - possa ser afetado pela introdução das atividades relacionadas com movimento. Junto com a avaliação psicológica dessas capacidades, esperamos realizar, também, uma avaliação cognitiva de compressão de leitura, raciocínio lógico e matemático, na tentativa de identificar como essas variáveis estão sendo afetadas. Esperamos que muitas mudanças aconteçam, mas não sabemos em qual aspecto, é por esse motivo que realizamos uma ampla bateria de testes”, detalha Tejada.

Realidade

Na escola, o impacto da proposta no trabalho desenvolvido pelas professoras que estão à frente das turmas, que recebem a intervenção, é positivo. Mesmo que isto signifique, inicialmente, mudanças na rotina dentro e fora da sala de aula. “O projeto trouxe muitos benefícios para os alunos. Atuo como professora há 16 anos e, anteriormente, meus alunos ficavam muito tempo sentado, escrevendo. Das quatro horas, 90% eram passadas com eles sentados. Hoje, cada conteúdo que a gente trabalha - Português, Matemática, Ciências – é desenvolvido com apoio de atividades interativas, em movimento. Através delas, os alunos interagem entre si, eles aprendem um com outro, aprende com a professora, a professora aprende com eles”, descreve a professora Advanusia Santos. De acordo com ela, já foi possível constatar o aumento nas habilidades, percepção e níveis de atenção. “Eu tenho alunos que têm dificuldade em leitura, escrita e fala. Tenho alunos, inclusive, com problemas de visão e neurológico. E mesmo no caso em que há limitação, a resposta foi muito boa. Crianças que não sabiam ler e nem escrever, agora, já sabem”, comemora.

A outra professora envolvida no estudo, Valdeci de Jesus, descreve uma experiência similar. “Vejo nos meus alunos que eles passam a interagir mais com a dinâmica do trabalho da sala de aula. Aqueles alunos que são menos ativos, passam a participar mais do processo. Tanto que nos momentos das aulas convencionais, porque mantemos este sistema também - de livro, caderno e quadro - eles participam menos. Mas quando veem o brinquedo, a dinâmica do jogo, da movimentação e vê o colega participando do processo de aprendizagem, o engajamento é quase automático. A criança participa sem nem perceber que está trabalhando o conteúdo e que está aprendendo. O projeto veio a acrescentar à escola e eu espero que ele se propague para outras turmas, para outros professores, para todas as escola da rede. É uma proposta na qual aprende o professor e aprende o aluno”, comenta. 

Mas, a princípio, houve hesitação. “Alguns educadores achavam que iria atrapalhar a rotina e precisaram se acostumar com a ideia de trabalhar com pessoas diferentes na sala. Mas, com o tempo, a equipe do projeto venceu a resistência. O que já observamos foi a transformação entre os professores, especialmente os que estão envolvidos com a iniciativa. Alguns pais também já perceberam o aumento no interesse da criança pela escola. Mas sabemos que a educação também requer o tradicional: copiar do quadro para o caderno, criar e manter regras de comportamento, trabalhar a memorização. E o bom é que se tragam alternativas para conseguirmos uma a boa caligrafia, a habilidade de contar, de copiar e de memorizar enriquecidas com o saber. E o mais importante, nisso tudo, é que o aluno, esse pequeno cidadão que vive em periferia, que muitas vezes não tem expectativa de vida, recebe o incentivo para o corpo e para a mente. Estamos ansiosos pelos dados”, explica a coordenadora pedagógica da escola, professora Betânia Tavares.