Pessoas em situação de rua ganham oportunidade de ressignificar suas vidas com prova de supletivo

Agência Aracaju de Notícias
13/11/2018 17h25

Para quem sempre foi incentivado a estudar e pode galgar, sem grandes dificuldades, as etapas do ensino formal, a educação é quase um protocolo a se cumprir na sociedade, sobretudo quando se pensa em ter sucesso profissional. Para as pessoas em situação de rua, por exemplo, que são atendidas pelo Centro Pop, unidade administrada pela Secretaria Municipal da Assistência Social de Aracaju, a educação é uma forma de ressignificar as próprias vidas e transformar a realidade talhada pela injustiça social, descaso e indiferença. Nesta terça-feira, 13, 12 pessoas atendidas pelo Centro Pop deram mais um passo em torno da reconstrução de si mesmo com a realização da prova do supletivo do ensino médio. A avaliação aconteceu no Centro de Referência de Educação de Jovens e Adultos Prof. Severino Uchôa. 

A prova foi divida em dez questões de cada disciplina e redação. O momento da chegada a esta etapa foi visto como uma superação para muitos do que se propuseram a estudar e realizar a prova. Como Nataly Martins, de 21 anos. Ela não se lembra a idade com que parou de estudar, mas, recorda que a tia a tirou da escola para que pudesse ajudá-la nos serviços e, aos 14, ela foi colocada para fora de casa. Vinda de Maceió, Nataly completará um ano em Aracaju em dezembro e sonha em estudar Direito e ser policial. “Me viro como posso e sempre fico na casa de amigos, mas, a vida é difícil. Quando eu soube que alguns colegas do Centro Pop estavam estudando para fazer o supletivo, vi a oportunidade de mudar de vida. Imagino que posso fazer muito mais por mim e sei que a educação é o caminho”, afirmou. 

O nervosismo antes da prova era comum a todos os alunos. As pernas inquietas o olhar tentando se manter concentrado eram as expressões compartilhadas, bem como o sentimento de mudança de vida. O senhor José da Conceição, de 54 anos, estava concentrado. Para ele, era uma prova para si mesmo. Ele encontrou nas aulas do supletivo um alento para a dependência das drogas e, para além disso, um desejo de ter melhores oportunidades. “Vim para Aracaju aos três anos de idade e passei por muita coisa. Hoje, estou em situação de rua e já trabalhei em vários ramos, sempre tentando sobreviver. Atualmente, só tenho eu por mim. Nas aulas achei uma forma de ocupar a mente e me livrar do vício. Desejo ter mais conhecimento porque conhecimento melhora a gente”, revelou. 

Carregando a filosofia do hip hop em sua vida, Cleiton de Oliveira, de 39 anos, aprendeu a ler e escrever com a música e nela ele se criou. Artesão e professor de dança, Cleiton destacou que decidiu entrar para as aulas do supletivo para incentivar alguns amigos, mas, logo depois, entendeu o quanto seria ajudado se empenhando no conhecimento. Ciente da realidade atual do país, ele acredita que só a educação é capaz de promover mudanças. “O estudo é futuro. Com o conhecimento, a gente passa a acreditar na evolução do povo, acredita que aquele que é marginalizado pode sair dessa situação. Eu acredito que só com educação a gente pode mudar essa realidade cruel do nosso país e, mesmo com tanta coisa dizendo para temermos, podemos ser mais fortes. Foi por isso, também, que decidi voltar a estudar e estou confiante em dias melhores”, reforçou. 

Valorização 

No processo até a prova, todo o Centro Pop foi envolvido e contou com a parceria da Secretaria de Estado da Educação (SEED). Para o coordenador da unidade administrada pela Secretaria da Assistência Social, Edilberto Souza, chegar a esse ponto é razão de muita alegria e esperança. “É a culminância de um processo de valorização do indivíduo a partir da educação. Essa valorização se dá em um processo de formiguinha, quando a equipe do Centro Pop começa a incutir em nosso usuário a necessidade e importância da educação formal. Além da questão da inserção no mercado de trabalho, o momento de hoje marca a alegria dessas pessoas porque, acima de tudo, nós estamos trabalhando com seres humanos, não importa a condição em que ele está, se é branco, negro, pobre, rico, ele é ser humano, ele sente como a gente sente. Permitir sensações positivas para o nosso público é de muita valia. Nós, que fazemos o Centro Pop, estamos muito felizes e satisfeitos em vê-los tão motivados”, considerou. 

A iniciativa partiu de uma das usuárias do Centro Pop. Um dia, a jovem decidiu terminar o ensino médio e procurou a educadora social da unidade que começou a tutoria. Pouco tempo depois, a usuária foi aprovada no vestibular de uma faculdade particular da capital. Inspirados pela colega, outros usuários demonstraram interesse e as aulas foram iniciadas. “Nossa felicidade é ver o quanto eles estão felizes com a possibilidade de concluir o ensino médio para ir em busca dos sonhos de uma boa profissão, ter um trabalho digno. Esse processo também fala muito sobre a necessidade de abrirmos os nossos olhos para aquele que tem uma realidade diferente da nossa. O que essas pessoas em situação de rua desejam é ser enxergadas e que possam ter a oportunidade de mostrar o que fazem de bom. O que vejo no Centro Pop são pessoas muito talentosas que apenas estão com o dom escondido, precisam somente de estímulo, e esse estímulo também se dá a partir do olhar mais solidário, cuidadoso, generoso. Eles agarraram a oportunidade que tiveram e a educação tem esse poder de transformação, a educação transpõe fronteiras e, hoje, eles sabem disso”, ressaltou a educadora social do Centro Pop, Adriana Prado Silva. 

Além da avaliação de hoje, os usuários terão outras duas oportunidades para concluir o supletivo. O resultado final deve sair ainda neste ano.