Alunos da EJA têm vidas transformadas com a oportunidade de retomar os estudos

Educação
30/08/2023 07h01

Pensar a Educação de Jovens e Adultos (EJA) é considerar que, enquanto houver tempo, haverá a  esperança de transformar realidades que parecem absolutas. Nesse sentido, com a Prefeitura de Aracaju, por meio da Secretaria Municipal da Educação (Semed), investindo e reforçando a importância de oferecer a oportunidade de reinserção desse público nas unidades escolares do município, 1.508 estudantes de idades totalmente diversas se unem para viver um sonho em comum: o de entender, ler e somar todas as coisas do mundo que os cercam.

Com as aulas ofertadas à noite, que é um turno estratégico, visto que os alunos da EJA, majoritariamente, são pessoas que trabalham durante o dia e vão direto para as escolas, inicialmente é servido o jantar, para fortalecê-los e dar a energia necessária para o momento de aprendizagem. Neste momento, os jovens e adultos relaxam da rotina pesada, conversam e contam uns aos outros os acontecimentos do seu dia. Após o momento de descontração e alimentação, todos eles se encaminham às salas e iniciam a jornada dificultosa da alfabetização tardia, mas que é realizada com todo amor e paciência, pois, segundo eles, agora o tempo é “todinho” para estudar.

Uma das unidades escolares que ofertam a EJA é a Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Manoel Bomfim, no Bugio, em que Erivelton Gomes, de 64 anos, é aluno. Ele afirma que, hoje, aprende bem mais do que quando era jovem. Todo pomposo, com cabelo bem penteado e fardado, Erivelton conta que, após uma vida inteira dedicada ao trabalho, após a aposentadoria ele pôde, finalmente, dar atenção aos estudos, um grande desejo abafado por tantos anos.

“A minha mãe teve 21 filhos e, por isso, nossos pais não puderam nos dar o melhor estudo. Eles tinham muita vontade, mas não podiam. Então, nós fomos estudar em um povoado muito pequeno, em que a professora tinha um grau muito fraquinho. Além disso, a gente precisava trabalhar. Era estudar de manhã e, de tarde, trabalhar na roça. Os filhos maiores trabalhavam para ajudar os pais a criar os filhos mais novos. Foi dessa maneira que eu fui criado. Quando fiquei maior, fui para Propriá trabalhar durante o dia e à noite, mas como eu sempre fui inteligente, passei a ser operador e entrei para o ramo da construção civil. Mas, eu trabalhava tanto que não consegui ter um estudo bom. Mais velho, depois que a firma se acabou, eu abri uma mercearia, me aposentei e decidi que queria descansar, mas eu tinha uma vontade muito grande de aprender, que eu pensei em continuar”, relata.

Antes, completa Erivelton, ele tinha pensamentos desanimadores, "mas agora eu só penso que não quero parar, porque o que eu aprendi agora é bem maior do que quando eu era mais novo", conta. "Na leitura, eu ainda sou fraquinho. Eu estou melhorzinho na matemática. Com a EJA, estou aqui há seis meses e, para mim, valeu todo esse tempo, porque é tudo muito bom e os professores e funcionários são muitos acolhedores. A minha nota é dez para tudo”, avalia.

Em um ato de amor, o estudante Moisés Raimundo Santos, de 69 anos, passou a vida inteira sem alfabetização, mas, após iniciar na EJA, percebeu sua evolução e quis trazer a sua esposa, Vera Bezerra, 51, para as salas de aula. Casada há 17 anos, Vera, um tanto tímida, explicou que, por ter se casado muito nova, precisou trabalhar e não conseguiu estudar. Já Moisés, mais extrovertido, relembrou que as obrigações da vida em casal acabaram sendo prioridade e ele não pôde se dedicar à escola.

“Eu passei a vida sendo analfabeto porque nunca estive em uma escola. Quando foi agora, me deu na telha de me matricular. Mas eu continuava sem fé de seguir em frente, porém, duas professoras aqui foram meu incentivo para continuar. Eu não sabia ler um a ou b e agora já estou avançando e só quero sair do colégio quando eu souber tudo. Eu cheguei aqui sabendo bem pouco e agora estou bem mais à frente. Depois que eu percebi que realmente conseguimos aprender nessa idade, eu decidi trazer, também, a minha esposa. Ela deixou os estudos ainda na sexta série e, agora, ficava sozinha em casa. Foi aí que eu incentivei a vinda dela e hoje ela já está fazendo o oitavo ano. Cada um estuda numa sala, mas nós estudamos juntos quando dá e ensinamos coisas um ao outro”, declara Moisés, aluno da EJA.

Aluna da EJA, a estudante Gilvania de Souza, que interrompeu os estudos ainda jovem, conta orgulhosa que, ao retornar às salas de aula, voltou a acreditar em sua capacidade de aprendizagem.

“Eu parei de estudar na quarta série porque a minha mãe sempre dizia que eu não tinha cabeça para negócio de estudo, aí eu parei. O pessoal do colégio também sempre mandava reclamação dizendo que eu não servia para estudar e, por isso, acabei deixando os estudos para trás. Quando foi agora, uma vizinha me incentivou a voltar para a escola, dizendo que eu não deveria ficar só assistindo novela. Então, eu me matriculei, estou aqui estudando e gosto muito da ideia de poder aprender o que não aprendi antes”, afirma.

“Eu gosto muito da professora e do coordenador, porque eles são pessoas muito boas e isso incentiva ainda mais. Eu já estou aprendendo a fazer as continhas de matemática e já leio um pouquinho. Mas tenho certeza que Deus vai me dar força e coragem para poder terminar meus estudos e, o que eu não consegui antes, quero conseguir agora. Com os estudos, eu espero conseguir um trabalho, porque eu crio duas netas, moro de aluguel e vivo só do Bolsa Família. Mas já agradeço a Deus e à escola por estarem me ajudando a aprender, que é o primeiro passo”, espera.

Orgulhoso com o empenho e força de vontade dos estudantes, o coordenador administrativo da Emef Manoel Bomfim, Juarez Ferreira, afirma que a EJA "é fundamental para nossa rede municipal de ensino e para qualquer outra rede de educação porque, além de ensinar, ela traz cidadania para um público em que essa cidadania foi negada no momento certo, na idade certa", frisa.

"Então, aqui na EJA da Emef Manoel Bomfim nós temos um grande número de idosos, de pessoas acima dos cinquenta, dos sessenta e setenta anos que, muito mais do que aprender a ler e a escrever, estão ganhando a condição de cidadãos que foi negada durante o período correto, pela dificuldade econômica, pela ausência de escola nos municípios”, ressalta.

A professora Ana Elizabeth não economiza nos elogios para os seus alunos. Para ela, um dos pontos positivos de ensinar ao público da EJA é a troca de experiência. “Eu amo o que faço e, pela Prefeitura, eu sempre ensinei na EJA. Eu gosto muito porque eles perguntam, têm disciplina e interesse em aprender. Eles querem aprender a ler para viver um mundo letrado, porque eles já sabem a matemática, mas a leitura, não. Muitos não estudaram por vários motivos, porque o marido não deixou, porque a mãe não deixou, ou devido ao trabalho, já que viviam na roça. E agora eles estão retornando à escola para aprender a ler. Eu gosto muito desse público porque a gente aprende também, é uma troca de experiência. Eu passo a minha experiência do letramento e eles passam a vivência deles para mim. É algo maravilhoso. Espero que a EJA se fortaleça cada vez mais, que as pessoas retornem à escola e continuem a aprender, porque é algo muito lindo”,  ressalta.