Quem observa o volume de obras em andamento na capital sergipana, atualmente, talvez nem recorde a situação econômica da Prefeitura de Aracaju poucos anos atrás. De uma realidade de acúmulo de dívidas com fornecedores, salários atrasados, lixo acumulado pelas ruas e crianças nas escolas sem merenda adequada, a administração municipal, após um período importante de ajuste fiscal, além de resolver a questão relativa aos serviços essenciais, tem conseguido também viabilizar investimentos recordes em infraestrutura, como por exemplo o programa Aracaju Cidade do Futuro, que será financiado pelo Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e transformará, dentre outras áreas da cidade, a antiga Zona de Expansão.
Para isso, a Prefeitura de Aracaju partiu de uma situação de desarranjo financeiro, com dívidas de curto prazo acumuladas ao final de 2016 na ordem de R$540 milhões, ou seja, cerca de 30% do valor da receita corrente do Município à época. O primeiro ponto, então, foi regularizar o pagamento aos fornecedores, aos servidores que estavam com dois salários atrasados, assim como os serviços públicos, como educação, saúde e limpeza. Para tanto, iniciou-se uma política econômica de austeridade, contenção de gastos e renegociação desses débitos, que foram parcelados entre 12 meses e 48 meses, como relembra o secretário municipal da Fazenda, Jeferson Passos.
“O primeiro grande objetivo do programa de reestruturação fiscal era organizar as finanças e colocar o município em uma rota de funcionamento normal de prestação de serviços para a sociedade. Mesmo com o ajuste fiscal, nós não paralisamos nenhum serviço. O ajuste nos permitiu, ao contrário, ofertar serviços que haviam sido interrompidos por conta da falta de pagamentos. O segundo objetivo do ajuste fiscal foi justamente criar condições para implementar um programa de investimentos, ter espaço fiscal para poder realizar as obras de infraestrutura e alavancar a oferta de serviços na área social, assim como promover o desenvolvimento econômico e preparar a cidade para o seu crescimento”, pontua Jeferson.
Organizar as finanças, ressalta o secretário, é fundamental para recuperar a confiança tanto dos organismos financeiros quanto da própria União, que atua como avalista para os municípios que buscam financiamento. Uma administração que não mantém o cuidado necessário com suas contas entra em uma armadilha: primeiro, não dispõe de recursos próprios para fazer as obras necessárias para fomentar o desenvolvimento e segundo, ao recorrer a recursos de terceiros em tal situação de desequilíbrio financeiro, precisa aceitar um custo de empréstimo muito mais caro.
Conforme salienta o secretário da Fazenda de Aracaju, a lógica é simples: se você está com orçamento organizado, possui uma boa avaliação de crédito, as instituições financeiras emprestam com uma taxa de juros menor, uma vez que o risco de inadimplência é menor. E como o Governo Federal é o ente “fiador”, uma boa avaliação de confiança na capacidade de pagamento, após análise realizada pela Secretaria de Tesouro Nacional (STN) é fundamental.
“A primeira consequência dessa melhoria das condições financeiras a gente pôde perceber ainda em 2018, a partir da avaliação feita pelo STN, elevando a nossa nota de C, que é ruim e não garante aval da União como garantidora da operação, o que significa taxas de juros bem maiores, para B e posteriormente, em 2019, alcançamos a nota A, o que nos permitiu acessar recursos mais baratos que alavancaram muitas das obras e investimentos realizados. Nós mantivemos esse equilíbrio fiscal, a avaliação positiva e isso, inclusive, chamou a atenção de diversos organismos internacionais que passaram a nos procurar para ofertar crédito”, conta o secretário.
Como fruto desta boa classificação conquistada após ajuste, Aracaju conseguiu, por exemplo, em 2019, acessar uma operação de crédito junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento BID), no valor de 75 milhões de dólares, montante que tem sido utilizado, desde então, em intervenções de urbanização importantes, como a construção da Avenida Perimetral Oeste, criando uma nova ligação entre a capital e o município de Nossa Senhora do Socorro, desafogando o trânsito da Euclides Figueiredo, além da construção de novos equipamentos sociais e de saúde em diferentes bairros da cidade.
Tanto a responsabilidade fiscal quanto a comprovação da capacidade e responsabilidade na execução dos recursos fazem da capital um local de confiança para as instituições financeiras nacionais e internacionais. Em uma analogia, a capital conquistou um “bom score”.
Credibilidade e competência
Ainda que Aracaju tenha aumentando sua credibilidade junto aos organismos financeiros e ao Governo Federal, uma operação de crédito externo continua sendo difícil e só foi tornada possível, seja com o BID ou mais recentemente com o NBD por conta da competência dos servidores ligados à administração municipal, nas diversas pastas envolvidas no processo.
O valor recorde de 105 milhões de dólares em vias de contratação junto ao NBD, também conhecido como Banco dos Brics, é fruto de um trabalho da gestão iniciado ainda em 2021, quando, ao revisar o Planejamento Estratégico, um conjunto de intervenções prioritárias foram elencadas. A partir de então, uma carta-consulta, documento em que a Prefeitura elenca o que pretende executar, quais intervenções na cidade e quais externalidades positivas os projetos podem gerar, foi confeccionada para consulta tanto das instituições financeiras, ainda informalmente, quanto da Comissão de Financiamento Externo (Cofiex), ligada ao Ministério do Planejamento e Orçamento.
Neste ponto, Aracaju concorreu com outros municípios brasileiros em relação a qualidade dos projetos apresentados, uma vez que há um limite estabelecido pelo órgão federal na autorização de empréstimos internacionais. Esse limite, inclusive, foi reduzido substancialmente durante o período da pandemia, saindo de 60 bilhões de reais por ano, para 7 bilhões em 2021. Isso significa, em um contexto restritivo como o descrito, que somente as operações mais bem avaliadas teriam condições de prosseguir, como ocorreu com a capital sergipana, que se sobressaiu.
“O feedback que recebemos durante todo tempo é que a agilidade nas respostas, a organização, a confiabilidade das informações influenciou na tomada de decisão. Não apenas o fato de termos nota A e capacidade de pagar, pois não adianta assinar um contrato e não executá-lo. Como temos experiência e como provar em relação a outras operações, tivemos uma vantagem”, afirma Jeferson.
Uma vez que a Cofiex aprovou a carta-consulta, pontua o secretário, a Prefeitura de Aracaju foi autorizada formalmente a negociar com o banco as condições do empréstimo, reunindo-se com as equipes técnicas de maneira a observar a viabilidade econômico-financeira da operação, as salvaguardas ambientais, seguindo os padrões nacionais e internacionais, e também as garantias sociais. As conversas envolvem visitas in loco e disponibilização de informações sobre a saúde financeira do município.
“São discussões multidisciplinares, em que o banco aponta o tipo de exigência e a gente busca negociar, a partir da nossa experiência de gestão e compreensão da própria dinâmica da cidade. É uma etapa de ajuste entre o financiador e os mutuários. Depois que chegamos a um consenso, submetemos a proposta à direção do banco, nesse caso ao board, em Shangai, e o conselho aprovou a operação”, lembra o gestor.
Uma vez aprovado pelo pela direção do banco, o empréstimo é submetido à análise da Secretaria do Tesouro, que é notificada sobre a autorização dada pela Cofiex, o acordo celebrado em relação às condições, para que decida se o Governo Federal será avalista. Para tanto, um novo escrutínio das situação econômico-financeira da Prefeitura de Aracaju foi realizado, para assegurar à União que o município atinge todos os requisitos necessários, como o cumprimento dos investimentos mínimos em saúde, educação, as despesas com pessoal, além de todo um conjunto de regramentos e o estudo minucioso das demonstrações contábeis.
Após tudo isso, a Secretaria do Tesouro emitiu um relatório apontando o seguinte: Aracaju cumpre todos os requisitos e demonstrou a capacidade de contrair o empréstimo e honrar com os pagamentos, por isso a União pode ser garantidora. Então, a STN encaminhou esse documento ao Ministério da Economia, que o submeteu à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Esta, por sua vez, convoca o município, o banco e a Cofiex para elaborar as minutas dos contratos de empréstimo, de garantia e de internacionalização da moeda. Depois que os termos são acordados, feitos os ajustes de redação, com a aprovação de todos os envolvidos, a PGFN emite os documentos finais e os envia ao Senado, com a autorização e parecer favorável tanto do Ministério da Economia quanto da Presidência da República.
No Senado, a comissão de Assuntos Econômicos avalia novamente a operação, as análises citadas anteriormente e então delibera se o empréstimo é passível de receber o aval da União ou não. Mais uma vez, houve êxito e, em um dia, a operação foi aprovada tanto na comissão quanto no plenário, por unanimidade. O presidente do Senado promulgou a resolução e a encaminhou para a Presidência da República, para assinatura daqueles contratos finais, o que deverá ocorrer ainda neste mês de setembro.
Todo esse processo durou cerca de dois anos e o programa Aracaju Cidade do Futuro traz consigo uma nova fronteira de desenvolvimento econômico, aliado com a melhora sensível da qualidade de vida de quem reside atualmente em bairros da antiga Zona de Expansão. Os recursos provenientes deste empréstimo levarão urbanização para várias localidades, com rede de micro e macrodrenagem, pavimentação e esgotamento sanitário, promovendo transformações profundas e valorizando aquela área.