Era o ano de 1974. Para a prisão Professor Barreto Campelo, na Ilha de Itamaracá, no Estado de Pernambuco, foram levados alguns dos sergipanos que se opunham ao regime militar. Injustiçados por expressarem a indiginação de um todo, eles viram-se isolados da sociedade, longe de seus lares. Na ausência de amigos e familiares, ocupavam o tempo do jeito que dava, com o que tinham em mãos.
Entre eles estava o aracajuano João Bosco Rolemberg Cortes, de 27 anos, estudante do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e militante do movimento estudantil. Como forma de denúncia e em protesto ao cenário à sua volta, ele usava da pirogravura para reproduzir no couro os ambientes e personagens do dia-a-dia. Em 1979 Bosco foi libertado e três décadas depois sua história e obra são apresentadas à sociedade aracajuana.
Filha do ex-preso político, a jornalista Joana Côrtes reuniu a produção artística que o pai construiu à época da prisão e a disponibilizou na exposição 'Anistiados, couro esquecido'. A abertura aconteceu na noite desta quinta-feira, na Galeria de Artes Álvaro Santos, e contou com a presença do prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira, que não esqueceu das circunstâncias que o levaram a conhecer o homenageado.
"Foi por volta de 1981, quando eu estava entrando na universidade e Bosco tinha uma livraria chamada ‘Cordel'. Lembro que todos nós, estudantes, íamos lá. Primeiro porque era onde encontrávamos livros que não se via em outras livrarias, mas sobretudo por causa de Bosco, que era uma referência para a minha geração. Um homem que havia sido preso e torturado; que dedicou sua vida às causas sociais", revelou Edvaldo.
Segundo ele, a aproximação com Bosco permitiu que o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) fosse reestruturado no Estado "A partir daí fizemos uma grande amizade e desde então somos companheiros e alimentamos os mesmos sonhos", afirma o prefeito de Aracaju, elogiando a iniciativa de Joana Côrtes, ao rememorar uma história de vida exemplar. "A exposição está muito bem feita, conseguindo mostrar o Bosco revolucionário, mas que deixou sua marca como artista", observou.
Hoje secretário chefe de gabinete da Prefeitura, Bosco Rolemberg se disse muito contente pela iniciativa da filha. "A partir de uma experiência vivida pude expressar o meu período enquanto preso político. E a idéia agora foi justamente utilizar a importância política desse momento, onde o Estado brasileiro pede perdão a um conjunto de cidadãos que deram sua parcela de contribuição para a restauração da democracia", observou Bosco, referindo-se ao próximo dia 28, quando a anistia aos presos políticos do regime militar completará exatos 30 anos
‘Couro esquecido'
São 10 telas distribuídas pelas paredes da galeria. Elas trazem camponeses, operários e lavradores talhados no couro. Ao lado de cada uma, um texto assinado por alguma revelação ou nome consagrado do jornalismo ou literatura sergipana, a exemplo de Carlos Cauê, Lara Aguiar e Cleomar Brandi. Além das telas, se vêem fotos de Bosco e recortes com mensagens que mandou da prisão para a esposa Ana Côrtes, também exilada, mas libertada alguns anos antes do marido.
Segundo Joana Côrtes, a sensação agora é de alegria e dever cumprido. "Essa idéia da exposição nasceu da vontade de saber a história de meus pais e de compartilhar essa história com outras pessoas através da arte, já que a história dessa gente é a história do Brasil", afirmou a jornalista.
Para o vice-prefeito da capital, Silvio Santos, a exposição 'Anistiados, couro esquecido', representa um dos maiores eventos da cultura local no ano de 2009. "Ela mostra a história de vida de uma pessoa que traz um acúmulo de experiências muito importantes para as novas gerações. Bosco foi um dos heróis que vivenciaram a história de uma das maiores lutas que a sociedade brasileira jé enfrentou", comentou.
Para quem não pôde ir à abertura, mas ainda pretende saber mais sobre a vida e obra de Bosco Rolemberg, a exposição é gratuita e permanece em cartaz até o dia 29 de agosto. O horário de visitação é das 8h às 18h, de segunda a sexta-feira, e das 9h às 13h, no sábado. A Galeria de Artes Álvaro Santos fica na Praça Olímpio Campos, Centro da cidade.
Presenças
Bastante prestigiada, a 'Anistiados, couro esquecido', contou com a presença do deputado federal Albano Franco, das deputadas estaduais Tânia Soares e Ana Menezes, do presidente da Câmara Municipal, vereador Emanuel Nascimento, do presidente do Sindicato dos Jornalistas, George Washington, do procurador do Ministério Público Especial do Tribunal de Contas do Estado, João Augusto dos Anjos Bandeira de Melo, além de secretários de Estado e do município, bem como jornalistas, escritores e artistas locais.