Poder ler a Bíblia, consultar as bulas dos remédios e identificar as linhas de ônibus pelos letreiros. Essas podem ser ações simples para qualquer pessoa, mas nos últimos meses vem ajudando a dar mais luz à vida da aposentada Maria França dos Santos, 75 anos, uma das 380 pessoas que concluiram a sexta turma do Programa Brasil Alfabetizado em Aracaju. A entrega de certificados dos novos leitores aconteceu na tarde desta quarta-feira, 12, no salão nobre da Associação Atlética Banco do Brasil (AABB).
Dona França, como a ex-lavradora é mais conhecida no bairro Lamarão, onde mora, diz que jamais imaginou que aprenderia a ler depois de tantos anos. "Eu vivi a maior parte da minha vida no mato, trabalhei plantando milho e feijão, e há 10 anos vim para a capital, onde pescava camarão e costurava. Nesse tempo todo eu criei meus oito filhos e vi eles se formarem, mas jamais sentia esse conhecimento vir pra mim também. Quando entrei no Brasil Alfabetizado tomei gosto pelo estudo e agora me vejo outra pessoa. Não vou parar por aqui", revelou.
A solenidade de formatura reuniu amigos e familiares do formandos. O prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira, foi representado no evento pela secretária municipal de Governo, Karla Trindade. Também participaram do ato a secretária municipal de Educação, Tereza Cristina Cerqueira da Graça, a coordenadora do núcleo de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e gestora municipal do Brasil Alfabetizado, Cristina Santos da Silva, o gerente da agência de Setor Público e representante da superintendência do Banco do Brasil (BB) em Sergipe, Albano Amaral, e o integrante da Fundação BB Educar, Ubiratan Assis.
O ato foi aberto com a apresentação do Coral do Núcleo de Pesquisas e Ações para a Terceira Idade (Nupati). Em seguida, a secretária Tereza Cristina fez a entrega do certificado de conclusão a Maria França dos Santos e à sua professora, Maria José dos Santos. Dona França representou naquele momento todos os concludentes. Com mais essa turma, já são mais de de cinco mil pessoas que concluiram o Brasil Alfabetizado em Aracaju.
"Vocês agora sabem ler, escrever e interpretar, e estão sentindo a importância disso em suas vidas", sentenciou a secretária Karla Trindade, que enfatizou a necessidade de ações como o Brasil Alfabetizado para o município e para o país. "Esta também é uma grande conquista para a qualidade de vida de nossa cidade, já que os índices de analfabetismo influem diretamente nesse item. Como já oferecemos a melhor qualidade de vida do Brasil, a Prefeitura de Aracaju não descansará até extirpar definitivamente o analfabetismo", afirmou.
Segundo a secretária Tereza Cristina, o programa tem realmente o objetivo de erradicar o analfabetismo. "A satisfação é imensa porque sabemos da qualidade do trabalho que foi feito. São mais 380 pessoas que realmente criaram uma visão crítica de mundo. Eu tenho ouvido relatos de alfabetizandos que trocaram todos os documentos para retirar o nome analfabeto das cédulas, porque agora eles já sabem escrever", comemorou. "Vamos incentivá-los agora a continuar os estudos em outros programas, como o Educação de Jovens e Adultos [EJA] e o ProJovem", acrescentou.
Metodologia
O Brasil Alfabetizado é uma iniciativa do Governo Federal e é realizado na cidade desde 2003, numa parceria entre Prefeitura de Aracaju, Ministério da Educação e a Fundação BB Educar. Em Aracaju, o programa é gerido pela Secretaria Municipal de Educação (Semed) e a sua proposta metodológica segue a linha introduzida pelo pedagogo Paulo Freire, que tem como objetivo principal desenvolver nos alunos uma forma mais crítica de pensar, com a problematização do seu mundo e da sua história de vida, dando-lhes segurança e ampliando sua cidadania.
Os 380 alfabetizados que hoje receberam os certificados iniciaram o curso em 17 novembro de 2008 e concluíram a formação no dia 26 de maio deste ano, cumprindo uma carga de 240 horas. As aulas acontecem em salões paroquiais e comunitários, além de escolas municipais, unidades de assistência social e centros profissionalizantes da Prefeitura.
"A Prefeitura de Aracaju tem viabilizado a execução do programa aqui por ser uma iniciativa interessante, que é passada aos alfabetizadores através da formação continuada do Programa Horas de Estudo. O Brasil Alfabetizado é voltado para o despertar da consciência política e social do alfabetizando", declarou a professora Isabel Cristina, que gerencia o programa na cidade desde 2005, através da Semed.
Segundo Maria Isabel, os alfabetizadores são da comunidade e a escolaridade mínima é de nível médio. O próprio professor é responsável pelo cadastro de 25 alunos, no máximo, e 15 alunos, no mínimo, e a Semed assessora todas as ações do programa. "Cadastramos os alfabetizadores e fazemos todo monitoramento pedagógico. Eles têm uma formação inicial antes de começar as aulas, de 30 horas, e temos a formação continuada", afirmou, acrescentando que os instrutores selecionados recebem uma bolsa complementar de R$ 200 mensais para ministrar a capacitação.
No entanto, o valor pago não é o principal incentivo declarado por parte dos educadores participantes do programa. Esse é o caso da professora Maria José Santos Teles, que tem 55 anos e está aposentada, mas voltou à sala de aula através do Brasil Alfabetizado. Ela se disse realizada em poder alfabetizar mais um grupo de alunos nesse período, entre eles a dona Maria França. "Apesar de todas as dificuldades, continuo amando ensinar e sei da importância desse ato quando vejo que essas pessoas crescem como cidadãos", afirmou.
Maria José explicou que preferiu ministrar as atividades aulas no turno da tarde, das 15h às 17h, para beneficiar os alunos, que no seu caso eram todos idosos e tinham dificuldade de ler à noite, que normalmente era o período que ela dispunha. "Fiz tudo para garantir o aprendizado e minha maior felicidade é saber que eles estão utilizando o que receberam para ampliar seus horizontes". reforçou a educadora, que formou mais de 50 pessoas pelo Brasil Alfabetizado, mas já ensinou muito mais coisas a outros milhares de alunos ao longo de sua carreira.