Ciclo Urbano debate uso da bicicleta em Aracaju

Agência Aracaju de Notícias
20/05/2010 08h02

Por Najara Lima

No Dia Mundial Sem Carro, em 22 de setembro de 2008, Waldson Costa e Felipe César tiveram a ideia de criar um grupo que tivesse respaldo na sociedade para discutir a questão da mobilidade em Aracaju. Assim nasceu a Associação Ciclo Urbano, uma organização não-governamental criada com o intuito de ocupar alguns espaços de discussão sobre o uso da bicicleta na capital sergipana, acompanhando o rápido crescimento do número de ciclovias na cidade.

"Começamos com uma forma de intervenção que não era exatamente feita pelo Ciclo Urbano, que são as bicicletadas, um evento autônomo que ocorre mundialmente do qual a ONG participa", explica Waldson Costa, um dos fundadores da ONG. Depois, motivados por uma série de questionamentos, começaram a participar mais ativamente dos espaços de discussão abertos na cidade.

"Entramos em contato com a Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT), que na época era coordenada por Samarone [Antônio Samarone, atual secretário municipal de Saúde], e fomos muito bem recebidos, tendo, inclusive, algumas das nossas sugestões acatadas", conta Waldson Costa.

Como Waldson Costa é formado em Geografia e havia no grupo pessoas com formação em Arquitetura, cada um atua de maneira diferenciada nas ações realizadas pelo Ciclo Urbano. "Eu sempre trabalhei mais o aspecto social do uso da bicicleta, mas atentávamos também para a área de infrainstrutura das ciclovias. Começamos a identificar alguns pontos para debate, principalmente no tocante às interligações e localização das ciclovias", esclarece.

Ainda no início dos trabalhos realizados pela ONG, seus fundadores resolveram se aproximar mais dos ciclistas, especialmente aqueles que usam a bicicleta no percurso de casa para o trabalho e vice-versa, frequentando os mesmos locais que eles e acompanhando-os nos trajetos. "Fomos percebendo algumas necessidades sentidas por quem anda sempre de bicicleta, como a arborização adequada das ciclovias, para oferecer conforto climático", afirma ele.

Bicicletada

A bicicletada é um movimento sem líderes ou estatutos que surgiu nas ruas de São Franscisco, nos Estados Unidos, no início dos anos 90. Inspirado na massa crítica (critical mass), uma ‘coincidência organizada', esse é um evento por meio do qual os ciclistas se juntam para reivindicar seu espaço nas ruas.

Os principais objetivos da ação são divulgar a bicicleta como um meio de transporte, criar condições favoráveis para o seu uso e tornar mais ecológicos e sustentáveis os sistemas de transporte de pessoas, especialmente no meio urbano. Em Aracaju, seus participantes garantem que o percurso não é decidido previamente, e sim combinado livremente entre os eles, sendo percorridos cerca de 15 km.

Durante o trajeto, tanto o nível quanto a velocidade alcançada são compatíveis com o ritmo que o próprio grupo apresenta no momento, de forma que ninguém fique para trás ou seja menos privilegiado que outro. "Nossa proposta é reivindicar o espaço público para a bicicleta e mostrar para os motoristas e para a sociedade que a bicicleta existe no trânsito e que ela deve ser respeitada, assim como os ciclistas também precisam respeitar os motoristas", esclarece Waldson Costa.

Na cidade, a bicicletada é realizada toda última sexta-feira do mês, sempre com algum tema específico, mas com a mesma causa. No caminho, os ciclistas estabelecem contato com os motoristas e pedestres, exibindo seus cartazes e propagando suas ideias, já que a bicicletada não é apenas um passeio, e sim uma celebração do transporte sustentável e um espaço para a reivindicação dos direitos dos ciclistas no trânsito. "A próxima edição será realizada no dia 28 de maio, quando é comemorado o Dia da Mata Atlântica, e o tema será ‘Ecologia e Meio Ambiente'. Na ocasião, iremos também plantar algumas mudas nas ciclovias", conta Waldson.

Desafio Intermodal

Nos anos de 2008 e 2009, foram realizados o I e o II Desafio Intermodal Aracaju , com o apoio da Prefeitura Municipal. A ação consiste em uma corrida urbana ponto a ponto feita na hora do rush com o intuito de saber quem é o mais eficiente utilizando diferentes modais de transporte. Participaram dos desafios pedestres, ciclistas, motociclistas, usuários de ônibus e motoristas de carros particulares.

No percurso, todos os participantes deveriam respeitar as leis de trânsito regulamentadas pelo Código de Trânsito Brasileiro, assim como as leis municipais de velocidade, sendo a velocidade máxima de 60 km/h em avenidas e 40 km/h em vias locais. "Nossa proposta não era fazer uma competição, mas sim mostrar à sociedade qual é o meio de transporte mais eficiente no ambiente urbano", diz Waldson.

Para surpresa de muitas pessoas, a bicicleta ganhou de todos os outros veículos. E o usuário do ônibus só não perdeu para o pedestre, que chegou apenas cinco minutos depois. "A partir daí começamos a nos perguntar: qual o melhor meio de transporte que podemos utilizar na cidade? E, ao questionar estes pontos, começamos a ser cada vez mais ouvidos pelos órgãos públicos e pela sociedade em geral", declara ele.

Vaga Viva

Outra importante ação realizada pelo Ciclo Urbano é a Vaga Viva, também inspirada numa ideia nascida em São Francisco (EUA), realizada pelos ciclistas de São Paulo e depois absorvida em Aracaju. Segundo Waldson, o intuito da intervenção é mostrar que a vaga, um local público criado para ser ocupado por um veículo particular, pode ter vida, se for utilizada corretamente.

Em Aracaju, a primeira edição do evento foi realizada em julho de 2009, quando foram ocupadas duas vagas de estacionamento na Rua Laranjeiras. "Em um dia de sábado, escolhemos as vagas, pagamos o parquímetro durante o dia inteiro, colocamos grama, uma árvore, uma rede e disponibilizamos um local para as pessoas sentarem à vontade", conta um dos fundadores do Ciclo Urbano.

Já em setembro, dentro da programação do Dia Mundial Sem Carro , foi realizada, também com o apoio da Prefeitura de Aracaju, outra edição do evento, que ao invés de ser uma Vaga Viva, foi na verdade uma Rua Viva. "Um aspecto extremamente positivo é que houve uma provação muito grande da sociedade para esse ato, as pessoas gostaram muito da iniciativa e utilizaram bastante o espaço", disse Waldson.

Mobilidade e sociabilidade

As intervenções realizadas pela Associação Ciclo Urbano foram, aos poucos, chamando a atenção tanto da população quanto dos órgãos públicos. "Nossas ações fizeram com que a Prefeitura Municipal de Aracaju percebesse que o nosso grupo tem um propósito bem fundamentado, uma ideia bem consolidada de mostrar que a cidade hoje é um local onde as pessoas não se relacionam, pois não tratamos apenas a questão da mobilidade, mas também da sociabilidade", explica Waldson Costa.

Um dos conceitos trabalhados pelo Ciclo Urbano é que o carro limita bastante as conexões e a sociabilidade dos seres humanos. "Você está no seu carro, com o ar-condicionado ligado, chega em casa, abre o portão elétrico e entra sem nem ter oportunidade de conhecer o seu vizinho", conta.

Para Waldson, um reflexo desse isolamento dos indivíduos é que, hoje, nos bairros de Aracaju, especialmente os mais nobres, não existem associações de moradores. "Muitos vizinhos sequer se conhecem. Em larga escala, acreditamos que isso acaba ausentando as pessoas da participação pública", assinala.

Ele faz questão de ressaltar que o Ciclo Urbano não trabalha tão somente a questão da bicicleta por utilizá-la como meio de transporte. "Pensamos numa reconfiguração e uma reestruturação da própria cidade, de forma a oferecer conforto tanto ao ciclista como ao usuário de carros particulares e do transporte público. O ideal é que a mobilidade possa fazer com que as pessoas participem mais das decisões políticas, da construção de políticas públicas voltadas para a melhoria da própria sociedade", explica.

Ciclovias no Brasil

Segundo Waldson Costa, no Brasil a cidade que mais se destaca em termos de ciclovia é Curitiba, no Paraná. Na América Latina, pode-se citar Bogotá, na Colômbia, como um bom exemplo. A malha cicloviária na cidade possui 180 km, podendo chegar aos 300 km nos finais de semana, mais do que em Paris, por exemplo. Em todo o mundo, uma experiência que merece destaque é Amsterdã, capital da Holanda, que possui mais de 400 km de ciclovias. "Lá, a educação para o trânsito começa na base, entre as crianças. A escola tem um espaço reservado para esse tipo de ensino", conta Waldson.

No cenário nacional, Aracaju vem se destacando como uma cidade muito bem servida em termos de ciclovia. Na cidade, há 56 km de ciclovias, e existe, inclusive, um planejamento da Prefeitura para ampliar ainda mais esse número. No país, Aracaju é a terceira capital em ciclovias e, no Nordeste, ocupa o segundo lugar no ranking, atrás do Rio de Janeiro (150 km) e de Teresina (60 km), no Piauí. "Existe um notável aumento do número de ciclovias, mas ainda precisamos pensar em questões como a localização, a arborização e a interligação dessas ciclovias", defende.

Para Waldson, outro ponto importante que precisa ser discutido mais amplamente é a educação no trânsito, para que seja iniciada ainda no ensino infantil. "Só assim iremos reduzir os índices de acidentes ocorridos hoje em Aracaju, que são altíssimos. E a causa desses acidentes, na maioria das vezes, é o desrespeito às leis de trânsito, gerada pela falta de informação de motoristas e pedestres", argumenta. Ele afirma, ainda, que hoje o trânsito mata mais que a guerra, e que essa realidade precisa ser transformada rapidamente.

Pedalando pela Europa

Em agosto, os dois fundadores do Ciclo Urbano farão uma viagem por vários países da Europa. "Vamos percorrer diversas das cidades tidas como amigas da bicicleta. Faremos um diagnóstico das experiências encontradas lá e tentaremos implantá-las aqui em Aracaju", conta Waldson. Durante 20 dias, a partir de 20 de agosto, os ciclistas irão rodar a Europa, percorrendo um total de 1.800 km. "Nossa intenção é conhecer o sistema cicloviário desses locais. Vamos começar em Berlim, passar por Bruxelas, Amsterdã, algumas outras cidades e terminar em Paris", conta.

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