Após 10 anos sobrevivendo a temporais, dividindo o pequeno barraco localizado no Morro da Avião com seus três filhos, um cachorro e recebendo a visita constante de ratos, a doméstica Damiana Maria da Silva se despede do lugar onde afirma ter sofrido discriminação e prejudicado a saúde. Sentada na pia de concreto que muito lhe serviu para lavar roupas e vendo seus móveis sendo colocados dentro do caminhão baú, Damiana afirma que a tristeza dos momentos vividos no local será enterrada juntamente com as tábuas de madeira do frágil barraco. "Não levo mais nada daqui além dos meus pertences. As lembranças ruins deixo para trás e sigo adiante para viver uma nova vida, na minha casa. Será o meu recomeço", celebrou a doméstica.
As palavras de Damiana ecoam no pensamento, no olhar e no sorriso das 98 famílias transferidas pela Prefeitura Municipal de Aracaju nesta terça, 27, do Morro do Avião para o bairro 17 de Março. A remoção dos moradores da invasão teve início na segunda, 26, quando as primeiras 63 famílias foram alojadas nas casas de alvenaria construídas pela PMA em parceria com o Governo Federal. No total, 404 famílias serão beneficiadas com as novas moradias instaladas em ruas pavimentadas, com energia elétrica, água encanada, sistema de esgotamento sanitário e rede de drenagem. As transferências acontecem durante toda a semana, e o resultado será a desocupação completa do Morro do Avião, área considerada de alto risco.
Curiosa para conhecer sua nova morada, a dona de casa Maria de Lourdes Nascimento pede pressa e cuidado com seus enfeites domésticos. "Tudo tem que chegar em perfeito estado para minha casa nova. Que alegria, meu Deus! Agora vou poder arrumar o meu canto do meu jeito, sem ter que me preocupar com os ratos e com as chuvas. Para mim é um novo começo, uma nova vida", destacou Lourdes com os olhos cheios de alegria.
Se na saída do Morro do Avião, os rostos cansados de Damiana e Lourdes transpareciam ansiedade, na chegada ao bairro 17 de Março, as faces das domésticas expressavam um misto de satisfação e incredulidade. Era preciso um grito alto do vizinho, também recém-chegado ao local, para ter a certeza de que a casa de concreto não era um sonho. "Difícil acreditar, mas estou aqui, na minha casa. Hora de arrumar o meu lar", disse Lourdes.
Discriminação
Com a ansiedade de conhecer o novo lar e ainda sem acreditar na realização do sonho da casa própria, Damiana revela que há algum tempo juntou um ‘trocado' para abrir uma conta no banco, porém não foi possível pela falta de um endereço. "Aqui na invasão a gente não tem endereço. Juntei R$ 200, peguei o comprovante de água de uma colega minha e fui ao banco. Quando cheguei lá, o rapaz disse que meus dados não conferiam. Contei a verdade e ele me disse que não era possível, pois eu não tinha um endereço", contou.
Agora, com residência fixa na quadra 13, Lote 6, nº 231, bairro 17 de Março, a doméstica Damiana tem o lugar certo para receber e enviar correspondências. "Isso é muito bom, não é? Em breve voltarei ao banco e abrirei minha conta para juntar um dinheiro. Descansarei em paz agora. Para mim, ter um endereço é uma grande conquista, é o resgate da minha cidadania. Agora, de casa nova, também vou aproveitar para cuidar da minha saúde que anda debilitada por conta das péssimas condições em que vivi durante esses 10 anos", ressaltou Damiana. Sem conter a emoção, a doméstica deixou rolar algumas lágrimas. "Mas essas não são de tristeza como antes, são de satisfação", fez questão de explicar, repetindo que tudo de ruim realmente havia ficado para trás.
Em família
Perdida entre cadeiras, colchões e outros móveis, a catadora de lixo Aparecida Santos Nascimento se divertia com os dois filhos na arrumação da casa. Ainda sem acreditar na conquista da casa própria, Aparecida contou que às vezes pensa estar sonhando. "Só aos poucos para me acostumar. É tudo muito novo, muito lindo e foi muito rápido. Estou muito feliz", declarou.
Segundo ela, a possibilidade de criar os seus filhos longe das ratazanas que os atormentavam na madrugada é um grande alívio. "Já acordei várias vezes por causa de mordida de rato. E um dia desses levei meu menino no posto de saúde, depois que um rato mordeu tão forte o dedo dele que sangrou. Aqui não terá nada disso. É tanta felicidade que custa acreditar", declarou Aparecida com sorriso largo.