Especialistas em saúde destacam o aumento na procura por atendimento psiquiátrico para pessoas com transtornos mentais, incluindo os problemas decorrentes do uso abusivo de crack e outras drogas. Esse aumento na demanda é acompanhado pelas dúvidas dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) e dos seus amigos e familiares, sobre como proceder para ter acesso ao atendimento no setor especializado.
A Rede de Atenção Psicossocial (Reasp) do município, atende cerca de 1000 usuários por mês. São pessoas que procuram os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) de Aracaju, onde recebem atendimento diário. E para saber o passo a passo para ser beneficiado com o serviço, entrevistamos a coordenadora de Atenção Psicossocial de Aracaju, Karina Cunha.
Agência Aracaju de Notícias - Quem tem um parente com problemas mentais, como deve proceder durante uma crise?
Karina Cunha - A primeira tentativa indicada é sempre pelo vínculo. Caso haja alguém na família, amigos ou vizinhança que tenha uma boa relação com a pessoa, ela pode se aproximar, tentar entender, explicar o que está acontecendo e sugerir que procure um serviço de saúde mais adequado. Há, no entanto, outras situações de crise: a pessoa pode estar tranquila, mas apresentando sinais de que está entrando em crise. O familiar, por exemplo, percebe que a pessoa está falando sozinha, como se estivesse ouvindo vozes, não diz coisa com coisa.
AAN - E o que fazer em situações com esta?
KC - Neste caso, é recomendável que procure o CAPS da referência de onde mora. O ideal é que todas as pessoas que tenham problemas mentais graves e persistentes (por muitos anos, com história de internação) já conheçam o CAPS de sua referência e possam fazer contato com os profissionais que trabalham nos serviços. Se a pessoa é uma usuária que já frequenta o CAPS pode fazer contato, pedir ajuda ou ir diretamente ao local. Esse contato também pode ser feito por meio da Unidade de Saúde da Família, que também faz a articulação com o CAPS da região.
AAN - Como agir caso o usuário esteja violento?
KC - Caso a crise seja ajuda, ou seja, se a pessoa estiver agitada, agressiva, ameaçando a sua própria integridade física ou de outras pessoas, é necessário chamar o SAMU com urgência. Nesta situação o usuário será conduzido, junto com seu familiar, à Urgência Mental do Hospital São José e, posteriormente, será articulado o cuidado com o CAPS.
AAN - E se a crise for proveniente do uso de drogas?
KC - Semelhante às situações descritas no caso de crise aguda. Quando necessário, o paciente deverá ser levado à Urgência Mental do Hospital São José. Depois da avaliação, os profissionais irão realizar os encaminhamentos necessários, podendo o usuário permanecer na retaguarda da urgência por até 72 h ou ser encaminhado ao serviço mais adequado, seja o hospital geral para desintoxicação, os CAPS ou outras unidades de saúde.
AAN - E se a pessoa estiver armada ou oferecer algum perigo, o que fazer?
KC - Estes casos estão classificados como acima de crise aguda, com agitação psicomotora. A pessoa apresenta-se agressiva, violenta, ameaçando a si ou outras pessoas possivelmente por conta das consequências da doença e pode estar alucinando ou delirando. Logo, a indicação é chamar o SAMU, que articulado com o Corpo de Bombeiros e a Polícia (por conta da presença de arma, seja de fogo ou branca), atuará na situação e encaminhará o usuário à Urgência Mental do Hospital São José.
AAN - Quem tiver condições de levar o paciente para o hospital, como proceder?
KC - Pode levar por conta própria à Urgência Mental. Ela é porta-aberta e atende todos os usuários que apresentam casos de crise e necessitam de um atendimento psiquiátrico emergencial. No entanto, pode ser que a pessoa não esteja em situação de emergência. Neste caso, pode ser levado ao CAPS e se ainda não for vinculado ao serviço, pode iniciar o tratamento, conhecer o serviço. No próprio CAPS já pode ser articulado esse cuidado inicial: se precisa de Urgência Mental ou se aguarda a consulta do médico do CAPS, por exemplo.
AAN - E os CAPS? Como fazer para ter acesso?
KC - Os CAPS são serviços porta-aberta. Não necessariamente precisa passar por uma Unidade de Saúde da Família ou de outro serviço para ser atendido. A primeira vez que a pessoa chegar ao local será atendida no acolhimento, ou seja, um profissional da equipe fará uma primeira avaliação a fim de identificar a história de vida, da doença, a situação familiar e social. Daí em diante, se for um caso para CAPS (uma vez que esses serviços são especializados, de alta complexidade, que têm como população alvo os casos graves e persistentes), será feito um Projeto Terapêutico de cuidado inicial, ou seja, será elaborado um programa de acompanhamento sobre a participação nas atividades terapêuticas ofertadas pelo serviço, como oficinas, grupos, atendimentos individuais, seja médico, psicológico, social, com terapeuta ocupacional.
AAN - O usuário precisa ir ao CAPS diariamente?
KC - A partir da avaliação será estabelecido um calendário, com os dias e horários em que o novo usuário passará a frequentar o serviço. Nesse sentido, é bom frisar que o CAPS não atua apenas na crise. É um serviço mais complexo, no sentido de trabalhar com prevenção e promoção de saúde mental, evitando que as crises cheguem e, se chegarem, que venham com menor intensidade e maior co-responsabilização pelo cuidado, seja pelo próprio usuário como por seus familiares.
AAN - Qual a importância da participação da família?
KC - Durante todo o processo, a participação da família no cuidado é essencial para o bom andamento do tratamento. As equipes dos Centros trabalham na perspectiva do fortalecimento do vínculo, que muitas vezes se perdeu ou está fragilizado. Além disso, existe a necessidade da continuidade do cuidado quando a pessoa está em casa, seja para manter o uso da medicação, para os próprios familiares entenderem o processo de saúde-doença mental do seu parente e, assim, ter mais paciência e ser parceiro nos diversos momentos que passam na vida.