Pedagogia Waldorf transforma comunidade no 17 de Março

Agência Aracaju de Notícias
07/05/2019 10h15
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A educação possui o poder da transformação, a prerrogativa de, por meio de uma metodologia pedagógica, criar uma realidade nova, mais justa e pacífica. Por isso, é determinante que as primeiras escolas pautadas pela pedagogia Waldorf estejam situadas no bairro 17 de Março. A Emei Dr. José Calumby Filho e a Emef José Souza de Jesus são vistas pelos profissionais que lá trabalham, pelos moradores do bairro e pela Prefeitura de Aracaju como uma iniciativa inovadora, com enorme poder de provocar melhorias profundas na em toda a comunidade. 

O ambiente onde estão inseridas as duas unidades de ensino é marcado pela pobreza. Possui uma das menores rendas per capita da capital, alta taxa de informalidade e índices de violência maiores do que a média do resto da cidade. Os moradores, em sua maioria humildes, também carregam consigo baixos níveis de escolaridade. As raízes para tais problemas são históricos, estruturais. A solução requer planejamento, criatividade e motivação. . 

A maneira encontrada pela Prefeitura para superar esses desafio foi investir no bairro, torná-lo uma referência dentro da rede municipal de ensino. As escolas do local contam com uma infraestrutura, inclusive tecnológica, de alto nível. Além disso, disponibilizam aos alunos um projeto pedagógico que respeita a diversidade, o tempo de cada um e, sobretudo, valoriza a infância. 

Pedagogia centenária

A pedagogia Waldorf foi criada pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner, buscando introduzir no ensino a compreensão da necessidade de respeitar as características de cada indivíduo, de forma que o tempo e a capacidade de compreensão de cada criança seja levado em consideração. Surgiu em 1919, entre o proletariado da cidade alemã Stuttgart, e ganhou reconhecimento mundial por seu poder de encorajar a criatividade, desenvolvendo as habilidades de seus alunos em face às transformações constantes da sociedade. 

Em Aracaju, começou a ser adotado em 2017, na Emei Dr. José Calumby Filho, quando a Secretaria Municipal da Educação (Semed) aceitou a sugestão de um grupo de profissionais. “Tudo começou no coração dos professores, após uma palestra do Instituto Social Micael sobre essa pedagogia. Eles se apaixonaram pelo tema, acreditaram que através desta metodologia poderiam transformar a vida dos seus alunos, por isso começaram a tomar um curso e posteriormente planejaram a aplicação na rede municipal”, explica a coordenadora pedagógica da Emei, Márcia Alves. 

A iniciativa foi abraçada pela administração municipal, que garante as condições necessárias para desenvolvimento e qualificação dos envolvidos.  “Tudo que é realizado aqui só é possível porque temos o apoio da gestão, que investe em uma capacitação constante tanto de professores quanto de outros profissionais. Assim é possível criar essa harmonia, esse pensamento comum”, ressalta Márcia.  

Respeito à infância

O método aplicado nas escolas busca ensinar por meio da vivência cotidiana, usando a criatividade, as atividades lúdicas, como fio condutor para o aprendizado. É importante reconhecer a subjetividade de cada um, sua história de vida, suas peculiaridades. “As crianças não são pequenos adultos, é preciso respeitar o ritmo de cada um. Trabalhamos com rotinas que os conectam com o conteúdo,de forma que aprendem prazerosamente, por vezes, brincando.  Criamos um ambiente de respeito à infância, aumentando a complexidade conforme elas vão ganhando experiência”, explica a coordenadora pedagógica da Emef José Souza de Jesus, Rivania Rocha. 

Ao adentrar qualquer uma das unidades surpreende a tranquilidade, o clima de paz, o silêncio que vai se propagando por todos os espaços. Essa harmonia ocorre por conta de um planejamento de atividades consciente das necessidades das crianças. “Nós organizamos as aulas para que eles tenham momentos de concentração, quando estão ouvindo uma história, ou vendo uma aula na lousa eletrônica, e expansão, quando permitimos que eles brinquem, se comuniquem uns com os outros e com nós mesmos. Esse movimento, semelhante a inspirar e expirar, é que gera essa sensação de harmonia”, aponta a coordenadora da José Calumby. 

Todas as brincadeiras, as conversas e as cobranças são feitas com o intuito de adicionar conhecimento. Seja construindo brinquedos reciclados, ou cozinhando junto aos professores, eles são influenciados a utilizar sua criatividade, aumentar suas capacidades de coordenação motora e alfabetização. Nesse contexto, fatias de maçã são sorrisos, utilizados para que aprendam as formas. As linhas dos brinquedos, suas formas geométricas, são o primeiro passo para aprenderem a escrever.   

Com o tempo, os alunos se sentem mais confiantes, altivos,e conscientes de que fazem parte de uma comunidade, aumentando seu senso de solidariedade. Aos pedagogos cabe acompanhá-los em suas dificuldades, sem menosprezá-los, tratá-los como incapazes. O resultado é colhido com o reconhecimento e o carinho dispensado aos mestres. 

Eles, aliás, são instruídos a realizar rodas de conversa, onde os alunos podem se abrir, seja sobre como enxergam a própria escola, quanto sobre sua vivência externa. Esse acompanhamento afetuoso permite observar nas crianças as informações não ditas. Como a realidade difícil de uma comunidade carente, o desânimo que pode significar a falta de um café da manhã ou a agressividade que pode ser fruto da ausência de uma pessoa importante. 

Transformação da comunidade

Testemunhar as transformações pelas quais passam as crianças mudam também os pais. Muitos deles tiveram uma vida marcada pela dificuldade, sem as mesmas oportunidades que, hoje, seus pequenos podem desfrutar. Desta forma, cabe às unidades serem pontos de inflexão na vida de todos, produzindo um ambiente que seja modelo de comportamento cidadão. “As crianças são agentes de transformação dos pais. Nós temos consciência da realidade que nossos alunos estão inseridos, muitas vezes com exemplos de violência dentro de casa, por isso temos a responsabilidade de criar exemplos positivos, de educar para o respeito ao outro e a eles mesmos”, aponta Rivania. 

Em pouco tempo de visita se abundam as histórias descritas pelos educadores. Como é o caso de dona Aparecida Jesus Nascimento, 43 anos, mãe de Paulo Ícaro, e moradora do 17  de Março há 9 anos. “Eu estudei pouco, porque trabalhei em casa de família, tinha muita coisa pra fazer, ficava sem tempo. Mal sei escrever meu nome, como diz o ditado. Por isso, o que eu não tive eu quer dar a ele. Meu sonho é que ele conclua os estudo e entre para a Marinha. Eu acho lindo. Não sei se ele vai querer, mas tenho certeza que aqui ele terá uma vida melhor do que a minha”, diz esperançosa. 

O amor pelo que desempenha aproxima os profissionais da comunidade, fazendo com que eles se esforcem ainda mais para garantir o melhor. A dedicação não passa despercebida. “As professoras são como mães, atenciosas e dedicadas. Uma vez meu filho teve febre e eu não moro em um lugar fácil de chegar, mas uma delas foi lá levar ele, tomando cuidado. Eu fiquei emocionada”, relata dona Aparecida.  

O ensinamento passado no ambiente escolar, assim como a convivência com reforços positivos de comportamento, permitem que as crianças se transformem. A mudança gera em casa a esperança de um transcorrer de vida digno, com oportunidades e melhorias.  “Eu vejo muita diferença no comportamento deles depois que entraram na escola, eles eram muito agitados, agora são mais tranquilos. Estão mais obedientes e concentrados também. Eu acho que aqui eles têm a oportunidade de estudar para ser alguém na vida, até pra me ajudar no futuro. Eu torço para eles sejam professores, quem sabe ensinem aqui. Tenho certeza de que, se eu tivesse uma escola dessa por perto, e pudesse voltar no tempo, iria aproveitar da melhor forma que pudesse”, ressalta Eliane de Souza, mãe de Enzo Ruan, 5 anos, e Maria Carla, 2 anos.   

No final das contas, o investimento em educação é, na verdade, garantir que o histórico de opressão e negação de direitos essenciais não seja perpetuado para novas gerações. É a tentativa de dar um basta em um ciclo amplo e vicioso de criação de subcidadania. É garantir justiça social.