A flor colocada cuidadosamente na orelha esquerda foi dada à professora por uma aluna, agrado que foi logo seguido por um abraço. O gesto de carinho ocorreu na manhã terça-feira, 7, na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) José Souza de Jesus, localizada no bairro 17 de Março. Este foi apenas um dos tantos gestos tocantes ocorridos nesta manhã, quando a unidade de ensino voltou às atividades e, no lugar da tragédia ocorrida na semana passada, se deu a acolhida merecida e necessária a alunos e funcionários. Na última quinta-feira, 2, em frente à escola, a professora Andréa Monte Santo Belizário, de 37 anos, foi morta pelo ex-companheiro, este que, em seguida, cometeu suicídio.
Logo depois da tragédia, as equipes da Prefeitura de Aracaju, através das secretarias municipais da Educação (Semed) e da Assistência Social e da Defesa Social e da Cidadania (Semdec), se mobilizaram para prestar o devido auxílio aos familiares da vítima e planejou, cuidadosamente, o retorno às aulas que ocorreu nesta terça. Todo o zelo empenhado resultou numa manhã que, além da saudade por parte dos alunos e colegas da professora Andréa, contou com o instinto humano de acolher para amenizar o peso da perda.
“Desde o dia da tragédia, a Semed tem dado todo o suporte à equipe da escola e aos alunos. Na própria quinta-feira, estivemos com uma presença forte em meio à situação. Ontem, tivemos uma roda de conversa com todos os professores e trabalhadores, no sentido de preparar a equipe para o momento do retorno. Hoje, nosso intuito foi o de acolher, tanto os funcionários da escola como também os alunos e seus familiares, muitos deles que, inclusive, presenciaram a tragédia. Somos seres humanos e precisamos de apoio, precisamos de algo que nos faça ressurgir das cinzas para continuarmos a nossa missão. É necessário que essas pessoas consigam se mobilizar”, afirmou a secretária municipal da Educação, Maria Cecília Leite.
Da mesma quadra onde a aluna deu espontaneamente uma flor à “tia”, outras tantas demonstrações de gentileza foram vivenciadas, prova de que a violência que circundou os últimos dias e que, infelizmente, também faz parte da rotina da comunidade que é uma das mais carentes de Aracaju, é apenas uma parte de um todo que pode ser muito mais leve e melhor, como na história contada como parte do acolhimento, onde uma folha de papel queria ser um barco para flutuar pelo rio e encontrou, pelas mãos de uma criança, as formas para, em dobraduras, ser o que desejava e ir além.
O acolhimento feito com abraços, músicas e contação de histórias que usou de metáforas como a da folha de papel foi realizado com bases no método aplicado na própria escola, a pedagogia Waldorf que, entre outros pontos, estimula o olhar para o outro. “A José Souza, assim como a Emei [Escola Municipal de Educação Infantil] José Calumby, trabalham sob uma perspectiva pedagógica que é extremamente importante para a contemporaneidade, porque ela é profundamente humanizadora. A pedagogia Waldorf ambienta que a gente não faça uma ação de grande ruptura, que a gente trabalhe numa perspectiva, o mais breve possível, já no dia de hoje, no caso, voltar à rotina da escola. Nos próximos dias, outras atividades serão desenvolvidas de maneira mais tópica, por exemplo, há o plano do plantio de uma muda específica para homenagear a memória da professora Andréa”, destacou o diretor da Educação Básica da Semed, Manuel Prado.
A leveza no acolher fez com que a professora do 3º ano, Neila Gouveia, se sentisse mais preparada para o retorno aos trabalhos. “Tentamos, primeiro, nos entender, compreender nossa angústia para depois a gente se apoiar, em seguida, acolher os alunos. Aqui, na escola, enxergamos o aluno como um todo, então, nos preocupamos com o que pode passar pelo coraçãozinho deles, pela cabecinha deles, para poder ajudar na formação de pessoas mais humanas, que olhem para o próximo com mais amor. Todo o processo que passamos, de certa forma, ajudou a fortalecer esses laços de cuidado”, ressaltou.
Foi esse cuidado que deu à dona de casa Edna dos Santos a certeza de que a filha estaria em boas mãos ao retornar para a escola. “Minha filha vem sendo muito bem acolhida desde a José Calumby e, agora, na José Souza, ela tem recebido tudo o que é importante para a formação como estudante, mas, sobretudo, fico aliviada e satisfeita por saber que ela é bem cuidada e recebe atenção. Num momento como esse, nós, pais e mães, só desejamos que nossos filhos recebam o cuidado que precisam para passar sem grandes danos. Esse acolhimento foi maravilhoso e só me deu certeza de que a minha filha está em um bom lugar”, frisou.
Ao final da acolhida, cada aluno recebeu um balão de cor branca para simbolizar a paz que tanto se deseja ter. No interior de alguns desses balões, foi colocada uma semente de girassol. A intenção era simples, mas, carregada de significado: que, ao estourar de cada balão que foi jogado para o céu, uma semente caia em um lugar diferente e, mais do que girassóis, floresça o bom e o belo para que não mais pessoas sejam mortas vítimas de ódio, intolerância ou falta de amor.