Alunas da rede municipal estreiam na literatura com poesias em publicação internacional

Agência Aracaju de Notícias
30/01/2020 15h59
Início > Notícias > Alunas da rede municipal estreiam na literatura com poesias em publicação internacional

“Mas isso não acabou/ a sociedade hipócrita não deixou/ seja gay, seja pobre, seja negro/ ainda não temos o tão clamado respeito/Seja humanamente racional/ o mundo merece respeito/ e você está deixando isso para o final/ respeite/ nossa história pode até servir no final/ como uma reflexiva lição de moral”.

Os versos simples, mas, carregados de sensibilidade fazem parte do poema “Tempos Sombrios”. A autora: uma estudante de 14 anos da rede municipal de ensino de Aracaju. Seu poema foi um dos 60 selecionados, entre 300, que, hoje, fazem parte da publicação internacional “The world is waking up: poetry of resistance from youth around the world", que, traduzido, significa "O mundo está despertando: poesia de resistência dos jovens de todo o mundo".

Os poemas de Giselly Santos e de Thayse Souza dos Santos, alunas da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Presidente Vargas, e apenas outros três selecionados em todo o Estado de Sergipe participaram do projeto desenvolvido pela Spartan Press e que, há quatro meses, nos Estados Unidos, publicou um livro contendo os 60 poemas de autoria de jovens de 12 países ao redor do mundo.

Agora, após o lançamento do livro, Giselly ressalta que o incentivo foi a mola propulsora para sua inspiração.

“Eu sempre gostei muito de ler e meus pais sempre me acompanharam e pediram que eu me dedicasse aos estudos. Mas, até outro dia, não me imaginava escrevendo. Daí, no projeto Consciência Negra, na escola, cada aluno ficou responsável por uma coisa, eu fiquei com o poema. Foi este poema que foi inscrito e hoje está no livro. Foi graças ao incentivo da professora Rita que percebi o quanto gosto de escrever, é tanto que já escrevi alguns outros”, conta a aluna.

Para Giselly, a escrita é uma das melhores formas de expressão e, ao observar o cotidiano, encontra os componentes para alimentar a imaginação e se deixar fluir.

“O que mais me incomoda no mundo são as injustiças. Se eu pudesse mudar alguma coisa, seria isso, então, coloco tudo no papel”, afirmou.

Hoje, recém-aprovaad para o 9º ano do Ensino Fundamental, Giselly nutre sonhos de gente grande com a sensibilidade de quem está começando a enxergar o mundo sobre uma ótica mais analítica.

“Quero ser médica. É um sonho meu. É uma forma de mudar a vida da pessoa. Sou vidrada em casos de pessoas que perderam os movimentos e tenho vontade de ajudar a fazê-las andar novamente. Isso vem dentro de mim, me pego imaginando isso sempre. Mas, para além de mim, eu gostaria que as pessoas valorizassem mais a educação, principalmente os professores porque, independente da carreira ou do que queiramos fazer, sempre vamos precisar de um professor para nos ajudar”, ressalta.

Na caminhada rumo à poesia, foi a professora Rita Freire quem reconheceu o talento da aluna já na estrofe inicial do primeiro poema que Giselly escreveu.

“Assim que li o poema, a convidei para integrar o projeto Jovens Escritores, que passei a desenvolver com diversos alunos. Quando a coordenadora da escola falou sobre o projeto americano estava quase sem prazo, não pensamos duas vezes. Inscrevemos o poema dela no último dia. Independente de concurso, o incentivo é necessário em qualquer circunstância. A criança que lê, não reprova. Ela interpreta e vê o mundo além. Nesse processo, é fundamental a participação dos pais. Acompanhamos algumas situações de pais que, por não acompanharem os filhos na escola, desconhecem o talento que eles têm para uma infinidade de formas de fazer arte. O incentivo deve começar dentro de casa”, destaca a professora.

Mudança de olhar
De acordo com a coordenadora do Ensino Fundamental da Secretaria Municipal da Educação (Semed), Ana Débora França, a poesia é introduzida na escola desde o 1º ano do Fundamental.

“Do ponto de vista da escolarização, do papel formativo da escola, a poesia é uma linguagem que envolve características linguísticas que a gente tem que trabalhar, mas, acima de tudo, a sensibilidade humana. Provocar o aluno para usar as palavras e fazer resistência é algo que é muito bom porque vai pelo caminho da sensibilidade”, frisa.

Para a coordenadora, para além da própria importância da arte para a escolarização, está o papel dela para a mudança de olhar em relação à realidade.

“Esse livro dá uma ideia de engrandecimento da escola pública, já que muitas vezes há certo complexo com relação a ela. Isso destaca o aluno mundialmente. Foram 300 poemas inscritos e entre todos esses foram selecionados 60 e, destes, dois são de uma escola municipal. Isso alarga o mundo do aluno. Se levarmos em consideração que esses alunos fazem parte da parcela mais vulnerável da sociedade, chegamos à questão de que a arte é uma forma de sublimar, é a mudança de olhar para a própria realidade, é expandir a mente para as suas capacidades. O ser crítico, às vezes, nem é intencional, ele é uma consequência quando experimenta música, poesia, obra de arte. Aos poucos você começa a diferenciar e, assim, a categorizar, isso é o que torna o sujeito mais analítico e, portanto, mais crítico”, pontuou.