A Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Sérgio Francisco da Silva, no bairro Lamarão, é um exemplo de que o ambiente escolar é importante espaço entre a rede de apoio contra as vulnerabilidades sociais. Lá, desde antes do período da pandemia, toda a comunidade escolar vem participando de um projeto contra o cutting (automutilação) e o suicídio entre os estudantes do Fundamental Maior e da Educação de Jovens e Adultos (Eja).
A iniciativa começou quando uma das alunas da Emef procurou o professor Andson Alves para relatar casos de automutilação por parte de algumas colegas de sala. O professor conversou com suas alunas e descobriu vários casos de agressão física ao próprio corpo, todos consequência de problemas maiores e como uma forma disfuncional de enfrentamento a doenças emocionais oriundas, muitas vezes, de violência doméstica e outras situações de vulnerabilidade social.
“Uma das minhas alunas me chamou a atenção para o fato de muitas das garotas usando casaco por causa das marcas de cortes e agressões ao corpo. Conversei com a coordenação da escola e descobrimos o que estava acontecendo. De 234 alunos pesquisados, 47 praticavam a automutilação. Somente dois entre eles, do sexo masculino e todos eles vinham nisso uma maneira de aliviar a dor emocional que sentiam. Era uma forma de desabafo. Tanto que muita gente dizia que fazia isso para chamar a atenção, mas, na verdade, uma das características do cutting é esconder as feridas físicas”, explica Andson.
A partir daí foi realizada uma reunião com os pais e os alunos encaminhados para um Centro de Referência de Assistência Social (Cras), para atendimento psicológico na Unidade Básica de Saúde (UBS) do bairro e houve, até mesmo, caso em que o Ministério Público precisou ser acionado. Concomitante a isso, a escola passou a realizar reuniões uma vez por semana com os jovens. Durante a pandemia, essas reuniões continuaram, mas de forma online e envolvendo mães e responsáveis pelos alunos. Atualmente, os casos diminuíram consideravelmente e apenas 12 têm a necessidade de continuar no grupo.
“Conseguimos ganhar a confiança dos alunos através do diálogo e do acolhimento. Para isso nos preparamos, pesquisamos o assunto e tivemos apoio de profissionais de Psicologia e da Coordenadoria de Políticas Educacionais para a Diversidade (Coped) [da Secretaria Municipal da Educação], e com isso estamos obtendo bons resultados. A maioria dos jovens melhoraram, mas os casos dos que continuaram se agravaram por conta de problemas que o isolamento social causou. Continuamos no esforço para apoiá-los”, afirma a coordenadora pedagógica da Emef Sérgio Francisco, Fabiana Araújo.
Durante as reuniões, são abordados temas como ansiedade, depressão, distúrbios alimentares, autoestima, empoderamento, violência doméstica e abuso sexual. Além disso, outros projetos foram implantados na escola com o objetivo de promover a melhora dos alunos e auxiliar no desenvolvimento e na saúde das emoções. Os alunos são envolvidos em atividades físicas, culturais e eventos que estimulem o autoconhecimento e o apoio mútuo.
"Certa vez descobrimos que uma das nossas alunas estava com a data do suicídio marcado. Neste mesmo dia marcamos de reunir o grupo e irmos com ela ao Parque da Sementeria, fizemos piquenique, conversamos sobre nossas dores, e ela desistiu. Foi mais uma vitória. Todo esse trabalho mexe muito comigo. Até comecei a fazer terapia para estar bem e poder ajudá-los e tudo isso me causa uma satisfação muito grande. Claro que sozinhos não conseguiríamos. Temos a união da comunidade escolar e, ainda, apoio da Coped, do Cras, dos familiares e de outros profissionais da saúde que se somam à causa”, ressalta Fabiana.