Projeto Cultivando Cidadania implanta hortas em comunidades e semeia novas perspectivas

Agência Aracaju de Notícias
27/12/2021 08h00

Entre 2017 e 2018, a Prefeitura de Aracaju, por meio da Secretaria Municipal da Assistência Social, deu início ao projeto Cultivando Cidadania, uma iniciativa que tem como propósito implantar hortas em comunidades carentes da capital sergipana e, a partir do envolvimento da população, garantir uma fonte de renda aos moradores, além de orientação e segurança alimentar.
 
O projeto, desde então e apesar da pandemia, tem apresentado resultados que ultrapassam as expectativas, pois a iniciativa transcendeu seu objetivo inicial ao se tornar um alento para os participantes, os quais se envolvem, passando não só a cultivar cidadania, mas também esperança. 

Até o momento, o Cultivando Cidadania já está presente com uma horta no conjunto Jardim Esperança, no bairro Inácio Barbosa; duas no bairro Santa Maria (Espaço Cuidar e no Ciras); uma no conjunto Veneza, bairro Olaria (Emef Jornalista Orlando Dantas); uma no Aloque (no espaço do Cras e da UBS); uma na comunidade da Maloca, no bairro Getúlio Vargas (Escola Estadual 11 de Agosto); uma mais recente no bairro Coqueiral, além de algumas pequenas em abrigos da Prefeitura, com um caráter pedagógico. Há, também, a perspectiva de criar uma no Bairro Industrial. 

Esperança que brota da terra 
É em uma dessas hortas que, há quase quatro anos, atua a dona Maria Helena dos Santos. Com os pés em contato direto com a terra, as mãos firmadas pelo tempo, ela dedica seus dias ao cuidado em plantar e colher. Ao se voltar para o cultivo de hortaliças e verduras, Helena afirma que, através da lida com a terra, se esquece da dura realidade a qual, recentemente, se tornou mais penosa. Há cerca de quatro meses, dona Helena perdeu um filho, assassinado. 

“Sou servidora pública aposentada e, logo no início do projeto, fui chamada para participar. No primeiro momento, disse que não queria e, depois de uns seis meses, fui convencida a vir. Hoje, a horta se tornou o meu refúgio. Quando mexo com a terra, consigo esquecer um pouco a minha dor. Apesar de tudo o que me aconteceu, estou firme e forte, e vou sobreviver. A horta é uma terapia do amor porque, quando a gente faz algo que gosta, fazemos bem a tudo em nossa vida e ao nosso redor. Estou na horta por amor”, conta dona Helena. 

Por causa do período de pandemia, o projeto teve que ser suspenso, no entanto, após meses sem atividade, dona Helena resolveu tocar a horta do Aloque sozinha, como uma espécie de porto seguro para aplacar a fase desafiadora, após a perda do filho. 

“Conversei com Ivan [coordenador do projeto] e disse que voltaria. Expliquei a ele que ficaria sozinha e não haveria problema. Quando voltei, a horta estava cheia de mato e sem vida. Comecei a cuidar e, pouco tempo depois, já estava vendo o resultado. Isso aqui [a horta] é de onde tiro minha alegria de viver. Quando penso na minha dor e questiono a Deus o porquê, lembro que aqui eu posso plantar e colher coisas boas e até ajudar as pessoas, já que tiro algumas verduras e hortaliças para doar para moradores da comunidade. Isso me traz certo conforto”, desabafa Helena. 

Tocadas majoritariamente por mulheres, as hortas envolvem famílias vinculadas aos Centros de Referência da Assistência Social (Cras), inseridas no CadÚnico. A ideia é estimular essas famílias a trabalhar na horta para autoconsumo e, quando possível, vender na feirinha realizada a cada 15 dias, na sede da Prefeitura de Aracaju.

Para algumas das pessoas envolvidas, o trato com a terra é, também, um resgate das origens, muitas vezes vivenciadas no interior do estado, como é o caso de dona Linalva Dias. Nascida em Umbaúba, casou e, aos 20 anos, mudou-se para Aracaju. Ao longo dos anos, nutre a vontade de ter uma terra para chamar de sua e, enquanto não realiza o sonho, se dedica à horta. 

“Meu pai trabalhava num lugar em que a gente podia plantar, depois, comprou um pedacinho de chão para a família. Vim pra Aracaju já com filho nas costas [hoje, tem nove filhos]. Meu marido trabalhava como vigia e eu de lavadeira. Ajudei a criar meus filhos lavando e passando roupa para mais de vinte casas. Depois de mais velha, deixei esse serviço para cuidar da terra. Meu gosto é mexer com terra, ver crescer. Traz lembrança da minha infância e juventude. Eu sempre quis um terreno, mas o dinheiro nunca dava. Aí, eu trabalho aqui [na horta] e isso já ajuda. Um dos meus filhos me ligou dizendo que comprou uma chácara em São Paulo, eu chega chorei. Sigo com o sonho de ter minha terra”, conta Nalva, como é tratada carinhosamente pelos amigos que trabalham na horta. 

Um desses amigos é o senhor José Lucas Guimarães, que foi convidado por um conhecido e, hoje, trabalha ao lado de Nalva, na horta localizada no Jardim Esperança. 

“Vim de Aquidabã e já moro há cerca de vinte e cinco anos em Aracaju. Lá era muito difícil de sobreviver, de achar serviço, por isso, vim pra cidade. Sempre trabalhei na lavoura e minha família trabalhou na roça a vida toda. Criei meus seis filhos trabalhando na roça, de enxada, picareta, e todo tipo de trabalho eu consigo fazer. Hoje, no interior, tenho um terreninho. Onde eu vivo, em Aracaju, tenho uma hortinha. Dona Linalva foi quem me acolheu, aqui. Cada dia que passa, a amizade vai aumentando. Gosto de gado, mas não tenho mais força, então, cuido da horta. Poucos lugares têm essa riqueza que tem aqui. Às vezes, estou sem nada no bolso, aí, venho na horta e tem um tomate, uma cebola. Isso é uma riqueza pra gente. Melhora a mente. O pensamento mal que vinha de outro lugar, quando chego na horta, acaba”, compartilha seu Zé. 

Referência
Em 2018, a Prefeitura de Aracaju foi a grande vencedora do Nordeste no Prêmio Progredir, do então Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). O Prêmio teve como objetivo estimular e reconhecer as ações desenvolvidas pelos municípios para a geração de renda e a inclusão de pessoas em situação de vulnerabilidade. Ao todo, foram inscritos 384 projetos de todo o país. Destes, apenas cinco foram premiados, sendo uma iniciativa por região.

Desenvolvido pelo departamento de Segurança Alimentar e Nutricional da Secretaria Municipal da Assistência Social, o Cultivando Cidadania tem como potencialidade sua capacidade de unir a assistência social, já que contempla famílias registradas no Cadastro Único e beneficiadas por programas do Governo Federal, e a segurança alimentar, pois incentiva os usuários a plantarem e cultivarem alimentos saudáveis sem utilizar agrotóxicos.

“O projeto nasceu com o intuito de fazer uso dos espaços públicos para fomento da agricultura agroecológica, em resumo, uma agricultura sustentável, sem veneno agroquímico. Por intermédio da Gerência de Segurança Alimentar, convidamos e sensibilizamos essas famílias, através de uma etapa com equipe de Nutrição, para depois começarmos os trabalhos com horta. O projeto tem a perspectiva de atingir cem famílias. Sofremos um impacto muito grande, durante a pandemia, e tivemos que parar as atividades, no entanto, retomamos, recentemente, e já trabalhamos em sua expansão”, frisa o agrônomo e coordenador do projeto, Ivan Barreto.

Nas hortas do projeto, são plantadas hortaliças de ciclo curto, como coentro, alface, cebolinha, tomate e quiabo. Isso proporciona aos usuários uma alimentação balanceada, com acompanhamento de nutricionistas e a presença de agrônomos nas hortas para acompanhar a plantação das hortaliças. Assim, as famílias aprendem, na prática, técnicas de plantio, colheita e venda de produtos sem agrotóxicos. 

“Embora Aracaju seja uma cidade pouco agrícola, ela é nova e tem uma geração ou duas que possuem uma relação muito próxima com o campo, então, praticamente todas as pessoas que trabalham nas hortas vieram do interior e trazem essa cultura. A horta vem para melhorar a percepção das pessoas com relação ao meio ambiente, à alimentação, e à possibilidade de visualizar que na cidade se pode produzir, além de oportunizar a criação de vínculo entre essas pessoas”, completa Ivan. 
 
Feirinha 
Aquilo que se planta e colhe nas hortas do projeto é vendido, há cada 15 dias, na feira montada na sede da Prefeitura. Quem compra, garante a qualidade dos alimentos. 

“Toda vez que tem, compro os produtos para levar para casa. Gosto muito do coentro e da couve, e, às vezes, compro, também, umas pimentas que são muito boas. É um projeto que tem que durar porque é bom pra quem compra e pra quem produz e vende”, afirma a servidora Nilde da Silva Santos. 

Para a serviços gerais Maria José Santos, um dos pontos positivos é o fato de os produtos não terem agrotóxicos. “Tenho problema de pressão, então, quanto mais saudável, melhor. Sempre volto para casa carregada com manga, quiabo, tomate cereja, rúcula. A gente consegue perceber a diferença até no sabor, por isso, muitas vezes deixo de comprar na feira de fora para comprar nessa. Sem contar que é mais prático porque está no meu local de trabalho”, destaca Maria José.