Projeto da Prefeitura incentiva reflexão sobre problemas raciais em escolas municipais

Agência Aracaju de Notícias
18/11/2019 11h44
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Desde o ano passado, a Prefeitura de Aracaju trabalha o Projeto Benguela, de forma intersetorial, em escolas de ensino fundamental da rede municipal. Criado em alusão ao 25 de Julho, Dia da Mulher Negra Latino-America e Caribenha ou Dia Nacional de Teresa de Benguela, para reforçar a luta da líder quilombola e das mulheres negras, o projeto ganhou corpo e se expandiu.

Atualmente, o Benguela volta seu foco às diversas formas de machismo e de preconceito. Assim, a partir da abordagem das secretarias municipais da Assistência Social e da Educação (Semed), meninos e meninas têm a oportunidade de se expressar em rodas de conversa e produção de fazines que trazem à tona aquilo que sentem no íntimo.

No início, o projeto visava apenas as meninas, sobretudo numa perspectiva de trabalhar o machismo e outras questões a respeito do preconceito que as mulheres negras vivenciam. “Porém, já na primeira escola que fomos, vimos que não tinha como mantermos só para as meninas porque era algo que precisávamos envolver homens e mulheres. Apesar do ponta-pé inicial ser a questão racial e de gênero, outras questões emergiram, como a LGBTfobia, a gordofobia, entre outros tipos de preconceito que eles acabam refletindo na hora da produção e, na produção, conseguimos catalisar melhor, seja na escrita, numa rima”, explcia a gerente de Igualdade Racial da Diretoria de Direitos Humanos da Assistência Social, Laila Oliveira.

A meta do projeto é trabalhar em todas as 20 escolas municipais de ensino fundamental, nas turmas de 8º e 9º ano, até o final deste ano, com uma abordagem feita em três momentos em cada unidade escolar.

O primeiro é uma roda de conversa para identificar os principais tipos de preconceito existentes na escola. Com base nos relatos, o segundo momento é realizado quando os meninos e meninas, organizados em grupos, fazem pesquisas em livros e revistas e produzem fanzines retratando o tema escolhido. O terceiro e último é a culminância da reflexão gerada com os dois trabalhos anteriores, oportunidade em que os adolescentes, com idades entre 13 e 15 anos, relatam o que sentiram durante as atividades.

“O Projeto Benguela mostra como a parceria entre Educação e Assistência Social fazem o diferencial no trato com Direitos Humanos nas escolas. Através desse projeto, vamos nas unidades de ensino e mostramos aos alunos as interseccionalidades que há entre raça e gênero em nosso país, explicando como racismo e machismo são faces de uma cruel moeda ainda em vigência no Brasil. Daí, através do fomento a esses debates, os estudantes são educados para além das disciplinas escolares básicas (ciências, matemática, língua portuguesa, etc) - eles são formados para a cidadania, para a vida em sociedade democrática, para a construção de um futuro melhor”, ponutua a coordenadora de Políticas Educacionais para a Diversidade da Semed, Maíra Ielena Nascimento.

Em meio aos trabalhos produzidos pelos alunos, uma realidade, muitas vezes chocante, é retratada. São histórias carregadas de dor, algumas vezes de humilhação, constrangimento. Como em um dos fanzines, cujo desenho mostrava um homem negro amarrado pelas mãos sendo visto por um homem branco que ria da situação.

Assim como este desenho, outros tantos refletiam o medo de meninas com o machismo e a preocupação da violação dos seus corpos, o preconceito com meninas e meninos que já na adolescência haviam descoberto sua orientação sexual, ou mesmo maus-tratos que alguns sofriam em casa ou em outros ambientes.

“É comum termos as rodas de conversa nas escolas, mas não o feed back. O Benguela veio para dar esse retorno. Durante as rodas de conversas e pesquisas nas bibliotecas das escolas levamos histórias como as de Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus, Jarid Arraes, para dar referências negras positivas. O projeto não veio para cutucar feridas, e sim para dizer que temos do que nos orgulhar. Os adolescentes relatam muito a solidão, depressão, automutilação e o Benguela veio para dizer que não é preciso sentir isso sozinho”, reforça Laila Oliveira.

Os colegas de turma Ivanilto Arnaldo, Ivanilso Arnaldo e Cristian Cauã, alunos do 8º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) José Conrado de Araújo, participaram do projeto e recordam do que foi abordado.

“Aqui na escola, temos um colega que sempre passa por situações bem chatas porque é gordinho. Muita gente fala dele e tira brincadeira, mas eu não acho legal. Na hora, ele não fica triste, mas imagino que ele não deve ficar feliz com essas coisas. Eu não gosto disso, não me envolvo. O projeto foi muito legal porque podemos falar sobre isso e outras coisas que incomodam. Acho que chama a atenção de todo mundo para coisas que são bem sérias”, comentou Cristian.

Já Ivanilso, acha necessário envolver os meninos nos assuntos sobre machismo. “Muitas vezes os meninos fazem brincadeiras com as meninas e não imaginam o quanto incomoda. Na primeira vez que o pessoal do projeto conversou com a gente, ouvimos as meninas contando coisas que as deixavam tristes, chateadas, e foi bem forte o que elas disseram, coisas que elas vivem dentro e fora da escola. Acredito que o projeto ajuda a gente a repensar algumas coisas e até não voltar a fazer o que achávamos que era só brincadeira e, na verdade, não é”, afirmou o aluno.

De acordo com Laila Oliveira, a ideia é que, ao final do projeto, o material produzido pelos alunos seja trabalhado em outros projetos.